Por Luiza Calegari — De São Paulo
Os modelos de trabalho temporário e intermitente são responsáveis por quase 17 mil processos em andamento na Justiça do Trabalho, cujo valor somado passa de R$ 1 bilhão. Os dados foram levantados pela plataforma de jurimetria Data Lawyer e analisados pelo escritório Mattos Filho.
A maioria dos casos (15,6 mil) se refere ao trabalho temporário, e só 1,1 mil processos questionam o trabalho intermitente. Porém, segundo especialistas, as contratações só devem decolar agora, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar constitucional a modalidade.
Segundo os dados mais recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o trabalho temporário foi responsável pela criação de 827 mil vagas de trabalho até outubro – e por 772 mil demissões. Já o modelo intermitente gerou 295 mil vagas no mesmo período e dispensou 219 mil profissionais.
Rafael de Filippis, sócio da área trabalhista e sindical do Mattos Filho, explica que a principal diferença entre as modalidades é a existência ou não de um intermediador. No trabalho temporário, uma empresa especializada é responsável pela alocação do funcionário no estabelecimento, por um período de 180 dias, extensível por mais 90, no máximo.
“Nesses casos, o trabalhador é contratado formal da intermediadora e recebe todos os direitos normalmente, mas a empresa contratante paga uma taxa para a outra empresa que fornece a mão de obra. E é essa intermediadora a responsável pelo pagamento de 13º, adicional de férias e outros benefícios”, explica.
Já na modalidade intermitente, o trabalhador pode ter mais de um empregador, mas só é remunerado pelas horas efetivamente trabalhadas. “Ele fica com contrato válido, mas pode ser convocado para trabalhar ou não”, diz Filippis. Nesses casos, a empresa faz a convocação com, no mínimo, três dias de antecedência, e a pessoa tem um dia para responder se aceita a demanda. Os dias e horário de trabalho, bem como a remuneração, devem ser acertados previamente.
Para o advogado, a recente definição a respeito do tema pelo Supremo, “sem dúvidas”, vai levar a um aumento das contratações de intermitentes. “Setores como o varejo, principalmente, já vinham começando a usar trabalhadores intermitentes e, com o questionamento no Supremo, as empresas calcularam que haveria uma grande confusão se o modelo fosse invalidado”, afirma. “Como validou, trouxe mais segurança jurídica. Então, com certeza deve aumentar o uso dessa modalidade de contratação.”
Essa também é a aposta de Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados. “A decisão do Supremo traz mais conforto e previsibilidade para que os atores do mercado possam se valer dessas técnicas”, afirma ele, acrescentando que a definição pode destravar novas contratações.
No julgamento do STF, prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Nunes Marques. Para ele, o trabalho intermitente assegura os direitos mínimos dos trabalhadores, como valor da hora equivalente à do salário-mínimo, descanso semanal remunerado, além de melhorar o padrão de proteção social aos trabalhadores que estavam na informalidade (ADI 5826, ADI 5829 e ADI 6154).
Entre os quase 17 mil casos levados à Justiça, a principal reclamação dos trabalhadores é o pagamento de verbas rescisórias, devidas quando o empregado é demitido e que incluem, por exemplo, saldo de salário, férias, multa do FGTS e 13º salário. Segundo Rafael de Filippis, essa questão é especialmente preocupante no caso do trabalho temporário, já que esses encargos cabem à empresa intermediadora, mas a contratante pode ter de responder por eles subsidiariamente.“É importante fazer essa gestão para contabilizar as horas extras e pagá-las corretamente, especialmente porque, com indústria e comércio aquecidos, é comum que os empregados tenham que chegar antes ou fiquem até depois do fechamento contabilizando o estoque.”
Nos julgamentos, a Justiça do Trabalho avalia o preenchimento dos critérios elencados em lei para chancelar ou rechaçar as modalidades de trabalho. No Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (TRT-15), por exemplo, os julgadores não aceitaram o argumento de uma fabricante de eletrônicos para defender a legalidade de um contrato de trabalho temporário.
A alegação foi de que a contratação se deu em razão de aumento extraordinário de demanda decorrente do Dia das Mães e do Natal. Ao analisar o caso, a 8ª Câmara deu razão à trabalhadora e declarou a nulidade do contrato (processo nº 0010069-60.2020.5.15.0095).