Supremo terá que analisar três pontos importantes da reforma trabalhista

By 7 de janeiro de 2025Notícias

Por Luiza Calegari — De São Paulo

 

Quase oito anos depois da reforma trabalhista, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda tem três importantes mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para analisar. A mais polêmica trata da gratuidade de justiça – benefício que pode ser concedido ao trabalhador que alegar não ter recursos financeiros para custear o processo.

A discussão envolve o artigo 790 da CLT. Com a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), o parágrafo 3º do dispositivo passou a prever que os juízes podem isentar das custas processuais quem recebe salário de até 40% do teto da Previdência Social – hoje o equivalente a R$ 3.114, 40. Ou quem comprovar, conforme o parágrafo 4º, insuficiência de rercusos.

O processo no STF foi ajuizado pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif). A entidade pede que os ministros garantam o benefício apenas a trabalhador com renda abaixo desse limite, e não àquele que comprove insuficiência de recursos (ADC 80).

A Consif quer garantir no STF um entendimento diferente do adotado neste ano pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os ministros decidiram que basta ao trabalhador apresentar uma declaração de que não tem recursos para pagar as custas judiciais (processo nº 277-83.2020.5.09.0084).

O julgamento no STF divide especialistas da área trabalhista. Para alguns, facilitar a concessão do benefício poderia estimular a litigância. Outros defendem que o entendimento do TST assegura a previsão constitucional do acesso à Justiça.

Para Ricardo Carneiro, sócio do LBS Advogadas e Advogados, o Supremo deveria seguir o entendimento do TST, que está “em consonância com os fundamentos do artigo 7º da Constituição”, que trata dos direitos fundamentais dos trabalhadores. “O propalado combate à excessiva litigiosidade, cujo conceito é bastante questionável diante do gigantesco número do nosso mercado de trabalho formal e informal e dos índices altíssimos de rotatividade, não se faz dificultando o acesso à Justiça”, diz.

Os ministros ainda terão que decidir se a exigência de indicação do valor do pedido na reclamação trabalhista é constitucional (ADI 6002). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende que essa exigência dificulta a atuação em juízo dos trabalhadores, que muitas vezes não têm meios para fazer os cálculos prévios por conta própria (ADI 6002).

Sobre esse tema, o TST também já possui entendimento consolidado. Os ministros decidiram que os trabalhadores não são obrigados a apresentar valores exatos dos pedidos nos processos e podem indicar apenas estimativas (Emb-RR -555-36.2021.5.09.0024).

O STF também deve analisar a necessidade de intervenção sindical nas demissões imotivadas individuais e coletivas e nos acordos extrajudiciais. A ação foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. O relator é ministro Edson Fachin (ADI 6142).

Em 2022, em processo com repercussão geral, sem tratar da reforma trabalhista, os ministros decidiram que para demissão em massa de trabalhadores é necessária intervenção sindical prévia, mas não autorização do sindicato.

Para Leticia Ribeiro, sócia trabalhista do Trench Rossi Watanabe, os temas são importantes e a expectativa, com base nos julgamentos já realizados sobre temas da reforma trabalhista, é que o STF deve continuar “focando nos pontos técnicos, verificando se a proposta feita é consistente com os princípios constitucionais ou não”.

Um total de oito temas relativos à reforma foi julgado pelo Supremo. Em cinco, os ministros mantiveram as previsões questionadas. A primeira envolvia o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, questionado por 22 entidades representativas dos trabalhadores em 19 ações diretas de inconstitucionalidade e por uma entidade patronal, que apresentou ação declaratória de constitucionalidade (ADI 5794 e ADC 55).

Nesse julgamento, realizado em 2018, os ministros, por maioria de seis votos a três, entenderam que a contribuição sindical não pode ser imposta a trabalhadores quando a Constituição determina que ninguém é obrigado a se filiar ou se manter filiado a uma entidade sindical.

O segundo ponto chancelado pelo Supremo foi a prevalência do negociado sobre o legislado (Tema 1046). Por sete votos a dois, os ministros entenderam que acordos ou convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidas,desde que sejam respeitados os chamados “direitos indisponíveis” – aqueles fixados pela Constituição e pelos acordos internacionais como o patamar mínimo para garantir a dignidade do trabalhador (ARE 1121633).

Coube também aos ministros do STF julgar contribuições sindicais. Os ministros validaram a extinção da contribuição sindical obrigatória ou imposto sindical, mas consideraram constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletiva, da chamada contribuição assistencial (ARE 1018459).

Segundo Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, o Supremo garantiu o direito de oposição do trabalhador, mas os sindicatos têm aproveitado a brecha para tentar compensar os rombos em seus caixas após o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. “Há casos de sindicatos que impõem que a oposição seja feita pessoalmente por cada trabalhador, em assembleia. Tem sido uma questão muito conflituosa”, diz.

Na última sessão de julgamentos virtuais de 2024, os ministros também chancelaram a modalidade de trabalho intermitente (leia mais abaixo), em que o trabalhador só recebe pelas horas trabalhadas, e não pelo tempo à disposição do empregador, que pode ser mais de um ao mesmo tempo (ADI 5826, ADI 5829 e ADI 6154).

Por outro lado, três pontos importantes da reforma foram considerados inconstitucionais pelo STF. O mais polêmico autorizava o trabalho em ambiente insalubre para mulheres grávidas ou que estejam amamentando. De acordo com a decisão, por dez votos a um, gestantes e lactantes não podem desempenhar atividades em ambientes insalubres de qualquer grau, bem como não estão obrigadas a apresentar atestado médico para serem afastadas de suas atividades (ADI 5938).

Outro ponto derrubado foi a exigência de que o trabalhador beneficiário da justiça gratuita fosse obrigado a pagar honorários periciais e sucumbenciais se fosse derrotado no processo (ADI 5766). A inclusão do dispositivo na CLT contribuiu para uma redução significativa no volume de processos trabalhistas, mas a decisão do STF, de 2021, impulsionou a retomada dos volumes anteriores à reforma, segundo a avaliação do advogado Fabiano Zavanella.

A terceira derrota da reforma trabalhista veio com o julgamento sobre o tabelamento determinado para as indenizações por danos morais. A Lei nº 13.467/2017 estabelece como parâmetro para os valores o último salário contratual do empregado e classifica as ofensas, com base na gravidade do dano causado (leve, média, grave ou gravíssima).

Os dispositivos questionados não chegaram a ser declarados inconstitucionais. Os ministros entenderam que o tabelamento é uma mera sugestão e não impede a fixação de indenizações mais altas, desde que devidamente motivadas (ADI 6050, ADI 6069 e ADI 6082).