Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) exarou uma decisão que representa, acima de tudo, uma grande vitória para aqueles que exploram a atividade agrícola de uma forma geral. Através de decisão de sua Terceira Turma, a corte federal entendeu que o chamado contrato de parceria agrícola poderia ser mantido, mesmo após a morte do titular do imóvel que serve de lastro para a atividade rural.
O chamado contrato de parceria rural é um negócio pelo qual, o titular de um bem, sobretudo imóvel, concede a outrem o direito de utilizá-lo para fins de exploração da atividade do agronegócio, abarcando o segmento agrícola, pecuário ou misto. Vale enfatizar que o outorgante do bem terá o direito de participação nos frutos auferidos com a atividade desenvolvida.
Atualmente tal modalidade de contrato é regulamentada por lei especial, o Decreto-Lei nº 59.566, de 14 de novembro de 1966. Tal norma foi editada com o escopo de regulamentar o instituto do arrendamento rural, descrito no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), garantindo-se segurança jurídica para as operações que envolvam a atividade rural no país. Não é de todo mal destacar que todo este arcabouço jurídico buscou resolver uma série de problemas relacionados ao conflito agrário no Brasil, sobretudo na fase anterior a chegada do Regime Militar no país.
Segundo o Decreto supracitado, tanto o arrendamento quanto a parceria “são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquêle que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista” (Art. 1º).
Em seguida, a lei estabelece as modalidades de parceria, que podem ser de quatro tipos: a) Agrícola (Cessão de imóvel Rural com o escopo de exercer atividade de produção vegetal); b) Pecuária (Outorga de animais para fins de cria, recria, invernagem ou engorda); c) Extrativa (Cessão de imóvel e/ou animais para fins de extração de produto agrícola, animal ou florestal; d) Mista (Quando o objeto da cessão envolve mais de uma das modalidades descritas anteriormente).
Os contratos de parceria podem ser escritos ou verbais, sendo que os artigos 11 e seguintes do Decreto estabelecem as cláusulas e condições que devem ser observadas nos contratos.
No que tange a notificação para fins de encerramento da parceria rural, o artigo 22 estabelece que o arrendador do bem deve apresentar, em até 6 (seis) meses antes do término do contrato, todas as propostas que tenha recebido, possuindo o arrendatário a preferência no direito de renovar o contrato, em igualdade de condições com terceiros. Já o § 2º do referido artigo aduz que tal direito de preferência não será observado se o arrendador, em até 6 (seis) meses antes do término da parceria, vier a notificar o arrendatário acerca do interesse de explorar com exclusividade a atividade rural, bem como para exercer o cultivo direto e pessoal, ou mediante seu descendente.
Segundo o entendimento do STJ, o prazo de notificação para fins de retomada deve ser observado não apenas pelo titular original, mas igualmente pelos seus sucessores. Para reforçar este entendimento, o tribunal baseou-se no artigo 23 do Decreto, cujo teor fala na “obediência aos preceitos deste Decreto”. Ademais, o artigo 15 prevê que “a alienação do imóvel rural ou a instituição de ônus reais sôbre êle, não interrompe os contratos agrários, ficando o adquirente ou o beneficiário, sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante ou do instituidor do ônus”. Segundo a Corte Federal, esta regra também se aplica para os sucessores do bem.
Desta forma, conclui-se que o STJ buscou estabelecer um equilíbrio, resguardando o simples ato de sucessão dos bens regulado pelas normas comuns de direito civil, mas também garantindo a continuidade do contrato de parceria rural originalmente celebrado entre aquela que explora a atividade e o de cujus que outorgou o direito de exploração.
Feitas as considerações de natureza legal e jurisprudencial, é importante fazer uma reflexão de cunho social a respeito da decisão adotada. Isto porque a atividade rural é de extrema importância para um grupo social significativo do Brasil, sendo certo que toda uma cadeia de atos que visa beneficiar um importante segmento econômico não poderá ser afetada simplesmente por considerações particulares.
Isto não significa dizer que se defende um verdadeiro espólio ou expropriação de um bem herdado. Significa na verdade garantir a manutenção de uma atividade produtiva, cujos resultados favorecem toda uma coletividade.
Confira a decisão no site do STJ, clicando aqui.
Daniel Alexandre Sarti, advogado da Equipe de Direito Contratual do Rocha, Calderon e Advogados Associados.