Mudanças na CLT entram em vigor no momento em que juízes, fiscais e procuradores se manifestam contra alguns pontos da nova lei, o que causa insegurança jurídica para empresas e trabalhadores
Prestes a entrar em vigor, a reforma trabalhista, que vai alterar a lógica das relações de trabalho no Brasil, vem enfrentando uma oposição de peso. Juízes, procuradores e fiscais do trabalho torcem o nariz para as novas regras, que passam a valer no dia 11 de novembro, declarando ter dúvidas sobre a constitucionalidade e a validade de alguns novos dispositivos introduzidos com a reforma.
O governo federal também decidiu esperar a reação do mercado para pensar em alterar pontos polêmicos da nova CLT. Essa reação vinda de parte da cadeia que deve fiscalizar e julgar o cumprimento da lei causa reflexos na ponta da produção, contribuindo para um ambiente de insegurança jurídica entre empresários e trabalhadores.
Ao longo dos últimos quatro meses, as principais entidades do setor produtivo percorreram suas bases promovendo palestras e eventos para dirimir as dúvidas sobre as mudanças trazidas com a reforma trabalhista. Foi assim com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná (Faciap), para ficar em alguns exemplos.
Fracionamento de férias, novas modalidades de jornada e contratos: as principais incertezas estão relacionadas a aspectos práticos, que alteram o cotidiano das relações de trabalho.
Sem insegurança
A chefe da Divisão Sindical da CNC, Patricia Duque, conta que por lá a principal dúvida é com relação à aplicação da lei aos contratos em vigor. Nas discussões da entidade, há três correntes de entendimentos: a de que a nova lei só vale para os contratos firmados a partir de 11 de novembro, outra que demanda uma análise caso a caso de pontos que devem ser aplicados para os contratos já vigentes e a que defende que a reforma trabalhista vale para todos os trabalhadores. “Temos o entendimento que, por cautela, é mais prudente aplicar a reforma trabalhista para os contratos em vigor, apenas em determinados pontos”, explica.
Um dos objetivos da reforma trabalhista era o de aumentar a segurança jurídica, mas as reações contrárias ao texto que foi aprovado no Congresso causaram espanto e preocupação entre as entidades do setor produtivo. “As relações de trabalho, atualmente, já geram um ambiente de insegurança, em que muitas vezes o empregador é surpreendido com mudanças repentinas de entendimento dos órgãos julgadores, criando passivos trabalhistas onde antes não existiam. A reforma trabalhista veio exatamente para garantir a previsibilidade dos contratos de trabalho”, argumenta Patricia.
O presidente da Fiep, Edson Campagnollo, concorda. Para ele, a reação de alguns juízes à reforma pode ser considerada até um ato de irresponsabilidade já que todas as mudanças na lei tramitaram no Congresso, com o aval das Comissões de Constituição e Justiça das duas Casas. A impressão da discussão é de uma mera disputa por poder, entre Legislativo e Judiciário. “Nós temos, pela Constituição brasileira, três poderes, cada um com a sua competência. O que estão pregando parece uma discussão de ‘estão mexendo no meu queijo’”, pontua.
Adaptação longa
O período de adaptação às novas regras pode ser longo, na avaliação do advogado especialista em relações do trabalho Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados. Na visão dele, a aplicação da lei que passou por todos os trâmites legislativos deve acontecer. “Cada juiz tem a sua independência, sua forma de interpretar e aplicar o Direito. O magistrado tem ferramentas no plano de ação individual, para não aplicar determinado ponto alegando controle difuso de constitucionalidade”, explica.
Para Alexandre Furlan, presidente do conselho de relações do trabalho da CNI, uma minoria de juízes está prestando um desserviço ao país. “Se houver alguma inconstitucionalidade na lei, cabe ao juiz colocar sua posição e exercer o controle difuso de constitucionalidade. O que me parece inconsequente é que tenha juízes recomendando a outros magistrados que afrontem a legislação com uma interpretação marcada por ideologia. Isso é insubordinação jurídica. Me parece temerário e causa insegurança, que é verdadeira. Nós já vamos ter um prazo de maturação que não é inferior a dois anos”, pontua.
Esse prazo de maturação da nova lei não vai girar em torno apenas da aplicação por constitucionalidade, mas também terá dúvidas sobre a aplicação de novos instrumentos da reforma. Zavanella lembra do trabalho intermitente, novidade trazida com a reforma. “Como eu crio um seguro de vida, um seguro saúde? E se esse funcionário sofre um acidente de trabalho, quem cobre aqueles 15 dias de afastamento? Os debates passarão para esse patamar”, analisa.
O advogado usa como exemplo uma eventual reclamação trabalhista sobre o parcelamento das férias – com a reforma, o funcionário pode fatiar as férias em até três períodos. Caso um magistrado considere que houve alguma violação de direitos, essa interpretação valerá apenas para aquele caso.
Mas o processo vai se arrastar: passará pela primeira instância, segunda instância até chegar às cortes superiores – Tribunal Superior do Trabalho (TST) e até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF). “Temos um caminho a percorrer: não simples, nem tranquilo e nem rápido. É um caminho de 8 a 10 anos para aí se começar a construir uma jurisprudência”, avalia.
Mas, e até lá?
O setor produtivo não quer perder a janela de oportunidades que está se abrindo com a modernização da lei. “O momento é para fazer valer o que está na lei e não deixar de se utilizar de um mecanismo tão dinâmico e moderno como a reforma trabalhista”, defende Patricia.
Para Campagnolo, o empreendedor também não vai deixar de contratar por receio da aplicação da lei. “Não considero que haja uma precaução, um receio em novas contratações. O empreendedor tem maturidade suficiente para saber que se tem de preencher um posto de trabalho, não precisa ter medo da nova aplicação da lei”, pondera.
Mas essa visão não é consenso. E os efeitos já podem ser sentidos nas contratações de fim de ano. Os trabalhadores temporários poderiam ser contratados como jornada intermitente, para cumprir expediente em dias e horários específicos, por exemplo. Mas esse tipo de jornada é uma das contestadas pelos aplicadores da lei.
“Não tenho dúvida que empresas vão atrasar a contratação. Qual a segurança jurídica que a gente tem?”, questiona Marco Tadeu Barbosa, presidente da Faciap. “Essa postura da minoria está causando insegurança e um pé no freio de empresários que poderiam já implantar as novidades”, argumenta Furlan, da CNI.
Fernanda Trisotto para o jornal Gazeta do Povo.