Decisões das turmas da Corte em reclamações beneficiam profissionais contratados como pessoas jurídicas
As duas turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) deram recentemente decisões que sinalizam uma alteração no entendimento da Corte sobre a chamada “pejotização”. Os ministros, por maioria de votos, mantiveram julgamentos da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo de emprego a profissionais contratados como pessoa jurídica.
O entendimento adotado em reclamações julgadas pode significar, segundo especialistas, uma correção de rota para barrar o crescente volume de recursos apresentados no STF contra decisões trabalhistas favoráveis a “pejotas”. Neste ano, metade das reclamações recebidas pelos ministros é da área de Direito do Trabalho – 1,5 mil de um total de 3,1 mil recursos.
Esse movimento cresceu porque os ministros, na maioria dos casos, em decisões individuais, passaram a aceitar a argumentação de que, com base em precedentes do STF – principalmente o que admitiu a terceirização ampla e irrestrita -, seria possível permitir o reconhecimento de outras relações de trabalho.
Contudo, em pelo menos dois casos recentes, as turmas negaram pedidos feitos por meio de reclamações. Um deles, julgado pela 2ª Turma, envolve uma advogada e um escritório de advocacia. (Rcl 63573) No outro, a 1ª Turma analisou o processo de um corretor de imóveis (Rcl 61438).
“É um sinal, um aceno, de que o Supremo puxou um freio de arrumação”, diz o advogado Fabiano Zavanella, sócio do Rocha Calderon e Advogados Associados, acrescentando que essas duas decisões de turma do STF não podem ser ignoradas. Para ele, esse movimento pode estar começando a ocorrer muito por conta da enorme quantidade de reclamações e das críticas aos ministros por parte de entidades ligadas ao Direito do Trabalho.
Em novembro, cerca de 60 entidades ligadas a advogados, juízes, procuradores, acadêmicos e sindicalistas da área de Direito do Trabalho de todo o Brasil assinaram uma carta pública aos ministros do Supremo para lançar uma campanha em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho.
Nos dois julgamentos, a maioria dos ministros entendeu que as reclamações não poderiam ser aceitas sem esgotar todas as instâncias e que a Justiça do Trabalho, ao analisar as provas, detectou indícios de fraude nas relações de trabalho – discussões de fato que não poderiam ser analisadas pela Supremo.
O relator do caso julgado pela 2ª Turma foi o ministro Edson Fachin, já conhecido por ter esse posicionamento, mas que até então era a voz divergente no tribunal. Porém, dessa vez, foi seguido pelos ministros Dias Toffoli e Nunes Marques. Apenas Gilmar Mendes e André Mendonça votaram em sentido contrário.
No caso, a defesa do escritório entrou com a reclamação após sentença da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo. Sobre esse ponto, Fachin destacou em seu voto que é firme a jurisprudência do STF no sentido de que não cabe reclamação nessa fase, se houver possibilidade de recurso em outras instâncias. “Isso significa, noutras palavras, que, se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação”, diz.
Sobre a forma de contratação, o relator afirma que o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 1994) estabelece múltiplas formas deexercício da profissão, entre elas a existência de contratos de associação entre advogados e escritórios, que, para ter plena validade jurídica, devem ser formalmente constituídos e registrados, o que, no caso, não ocorreu. Ele acrescenta que, na sentença, ficou evidenciado que a autora, “de fato, nunca foi sócia/ parceira jurídica”.
Fachin lembra, em seu voto, que apesar do seu posicionamento, tinha passado a adotar o entendimento que vinha sendo aceito pelas duas turmas do STF de que essas reclamações deveriam ser admitidas, com base nos precedentes citados pelas empresas, ressalvando apenas sua posição pessoal. Porém, ele afirma ter constatado recentemente que a 1ª Turma passou a adotar posicionamento diverso.
No voto, cita julgamento, por maioria, vencido o ministro Alexandre de Moraes, nesse mesmo sentido. “A superveniência do julgado evidencia que a questão não está completamente sedimentada no âmbito deste tribunal, de modo que peço vênia para adotar a compreensão que até aqui exarei.”
O caso analisado pela 1ª Turma envolve uma consultoria de imóveis que entrou com reclamação contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, que reconheceu vínculo de emprego com um corretor.
O relator foi o ministro Cristiano Zanin. Ele destaca, em seu voto, que a jurisprudência do STF “exige aderência estrita entre o ato reclamado e o conteúdo dos paradigmas apontados como violados, o que não ocorreu no caso”. Para ele, “dissentir das razões adotadas pela Justiça trabalhista demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, circunstância não admitida em reclamação constitucional”.
Os ministros Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber seguiram o relator. Apenas Alexandre de Moraes votou em sentido contrário e ficou vencido.
De acordo com o advogado Daniel Chiode, do Chiode Minicucci Advogados Littler, que levou diversas reclamações ao Supremo, a Corte está passando por uma fase de calibrar suas decisões. “Isso porque elas estão sendo usadas como uma forma de acelerar o andamento do processo.”
Para ele, assim como ocorreu com outros tipos de recurso, houve um primeiro momento de admitir boa parte das reclamações e agora de restringir, para depois achar um ponto de equilíbrio. O mesmo ocorreu com o recurso extraordinário, até a elaboração do filtro da repercussão geral, e os habeas corpus, que já foram mais utilizados, até terem sua limitação definida.
O principal problema, diz, é que existe uma resistência no Brasil para seguir os precedentes. O Brasil hoje em dia, na prática, acrescenta, não segue a civil law (fundamentada em um conjunto de leis) nem a common law (baseado em precedentes). “Hoje temos a loterylaw. A depender do juiz, o processo tem um desfecho diferente.”
Gustavo Granadeiro Guimarães, presidente da Comissão de Advocacia Trabalhista da OAB-SP e um dos organizadores do movimento em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho,afirma que ainda é cedo para dizer que existe uma mudança de posicionamento, mas que está convencido de que o STF não poderia reanalisar esses casos por meio de reclamações porque todas envolvem fatos e provas. “O Supremo enquanto Corte constitucional se apequena ao analisar matéria que depende de fatos e provas. Não cabe ao STF isso.”