Artigo do Coordenador de Recuperação de Crédito do Rocha, Calderon e Advogados Associados, Daniel Alexandre Sarti, para o Caderno de Legislação do jornal Valor Econômico
O SNIPER e o mercado de crédito
Por Daniel Alexandre Sarti – Coordenador de Recuperação de Crédito do Rocha, Calderon e Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito. Advogado e Consultor Jurídico com ampla experiência no acompanhamento e condução de processos judiciais envolvendo temas de direito bancário, recuperação judicial e falência
Entre os destaques recentes para o mercado de créditos está o advento de uma nova ferramenta voltada para a pesquisa e bloqueio de bens em processos judiciais, a fim de se atender não apenas o segmento de recuperação de crédito, mas também o campo que busca repelir crimes que envolvam corrupção e lavagem de dinheiro.
É o chamado Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos, mais conhecido pela sigla SNIPER, ferramenta concebida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o escopo de unificar as informações constantes em diversos órgãos e sistemas públicos e privados, abertos e fechados, otimizando a localização de bens em nome de devedores e facilitando a penhora para satisfazer direitos creditórios.
O programa foi concebido com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), facilitando a localização de vínculos de natureza patrimonial e permitindo uma identificação rápida de todo o acervo de bens em nome de devedores que estejam respondendo a processos de execução judicial.
Fazem parte deste sistema as informações constantes em órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral, o Registro Aeronáutico Brasileiro da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), o Tribunal Marítimo, dentre outros.
É uma ferramenta que torna mais ágil a localização de imóveis, automóveis, ações, rendimentos na caderneta de poupança, títulos da dívida pública, dentre outros bens suscetíveis de avaliação econômica.
Ainda assim, o sistema concebido ainda será objeto de inúmeras discussões acadêmicas e judiciais, bem como poderá ser objeto de diversos recursos, criando-se, destarte, uma jurisprudência que servirá de referência para a utilização deste novo instrumento de localização de bens.
Atualmente, o Poder Judiciário tem à disposição uma série de sistemas que podem ser empregados para localizar e penhorar bens para fins de satisfação de um determinado crédito. Talvez o mais importante seja o sistema SISBAJUD, mantido através de uma parceria entre o Judiciário e o Banco Central do Brasil, utilizado para localizar ativos financeiros, incluindo saldo em dinheiro em contas correntes. Além disso, existe o sistema INFOJUD, mantido com o apoio da Receita Federal, para localizar outros tipos de bens, bem como o RENAJUD, empregado para localização de veículos suscetíveis de constrição.
Todavia, a verdade mostra que a existência de inúmeros sistemas e órgãos, ao invés de facilitar a busca de ativos, apenas cria maiores dificuldades no escopo de se recuperar um crédito, acarretando o prolongamento desnecessário de ações judiciais, sem que os credores possam ver o seu direito tutelado.
Assim, o novo sistema unifica diversas modalidades de pesquisa em um único instrumento, otimizando o trabalho dos magistrados.
Ademais, em várias ocasiões, os juízes criam inúmeras dificuldades em deferir a pesquisa em outros órgãos que não aqueles já disponibilizados no âmbito judicial, simplesmente por falta de experiência e sensibilidade em perceber que uma maior gama de pesquisa pode facilitar a recuperação de um crédito.
Além disso, a experiência econômica demonstra que um dos componentes utilizados para se calcular o custo do crédito é a observância da dificuldade em se recuperar o crédito na hipótese de inadimplência, seja no âmbito judicial ou extrajudicial. Quanto mais barreiras são criadas para se obter a satisfação de um crédito, maior o ônus que o mercado financeiro acaba impondo aos seus clientes.
Não é de todo mal ressaltar que a sistemática processual brasileira é uma das mais complexas do mundo, com uma gama de disposições de natureza dilatória que podem contribuir de forma significativa para que um débito não venha a ser pago no tempo esperado.
Cada apelação apresentada, embargos opostos ou agravo interposto contribui, de forma acentuada, para a elevação do custo do crédito praticado junto aos clientes do segmento bancário.
É uma realidade que até o momento encontra-se presente: A disparidade entre os anseios do mercado de crédito e a necessidade de se resguardar os direitos e garantias das partes envolvidas no litígio judicial. Se por um lado o credor possui a garantia de ver o seu direito tutelado para fins de receber uma soma em dinheiro, ao devedor é assegurado o direito de opor o contraditório e dispor da ampla defesa, a fim de se evitar medidas que possam reduzi-lo a uma condição de miserabilidade.
Outro ponto que merece ser apresentado é que as formas tradicionais de pesquisa de bens apenas levam o credor e o juiz a descobrir apenas bens que não podem ser objeto de penhora. Via de regra, o devedor que possui um único imóvel não poderá perdê-lo em razão de uma dívida cobrada na Justiça. Obviamente existem exceções, como no campo tributário.
Ademais, a lentidão judicial pode contribuir para que muitos bens que poderiam ser objeto de uma constrição rápida possam estar sujeitos a uma deterioração natural decorrente da demora em se obter a resolução de um conflito.
O surgimento deste novo sistema concebido pelo CNJ irá ajudar de forma significativa todos os operadores do direito que lidam com o segmento de recuperação de crédito, otimizando os requerimentos feitos no âmbito do Poder Judiciário e agilizando a resolução das demandas em andamento.
Em se tratando de uma economia que ainda sofre com os custos praticados no segmento de captação de crédito, a criação de novas ferramentas que possam facilitar a localização de bens de devedores poderá contribuir, de maneira positiva, no sentido de se reduzir as despesas para a sociedade como um todo.
Artigo publicado no dia 31 de outubro de 2022 no Jornal Valor Econômico. Para ler o conteúdo diretamente no Portal do Valor (precisa ser assinante da publicação), clique aqui