Parafraseando parte do título de artigo escrito pela ex-ministra Marina Silva e por João Paulo Capobianco, publicado no Estadão em 30 de agosto último, é preciso analisar o joio e o trigo. Separar o joio do trigo, não só no Agronegócio brasileiro, mas também nos problemas internos do País e nas manifestações externas recebidas pelo Brasil.
Desde o final do mês de agosto, um dos temas de maior repercussão no noticiário internacional são os incêndios na Região Amazônica e os pronunciamentos dos países do G7, especialmente da França, quanto à questão.
O problema é serio e deve ser tratado, no âmbito interno, pelas diversas esferas do Poder Público (União, Estados e Municípios) como absolutamente prioritário. Os incêndios que tenham sido causados por prática criminosa devem ter os seus autores investigados e punidos no rigor da lei. Se não há fiscalização adequada para cobrir todo o vasto território nacional e fazer cumprir as disposições da legislação ambiental, essa é outra questão a ser tomada como prioritária pelas autoridades competentes.
Vale lembrar que está vigente no Brasil a Lei 12.651/2012, que é um dos melhores marcos legais de proteção ambiental do mundo. Ela é também a expressão de uma importante decisão tomada pela sociedade brasileira: o desenvolvimento econômico do País precisa ser ecologicamente sustentável.
Nesse sentido, o Agronegócio brasileiro tem grandes exemplos a oferecer sobre o desenvolvimento de sistemas de produção eficientes e sustentáveis no uso dos recursos naturais.
Para ficar apenas em um desses exemplos, o Setor Sucroenergético nacional ofereceu ao mundo, para além do etanol (uma alternativa limpa, economicamente viável e competitiva frente à gasolina), um modo de produção eficiente e sustentável.
Nas usinas atuais, absolutamente nada se perde: da cana-de-açúcar obtêm-se açúcar, etanol e energia elétrica. Com efeito, do processo industrial de transformação da matéria-prima (cana) em produto final (açúcar ou etanol), há a cogeração de energia elétrica, que além de suprir a demanda interna das usinas, pode ser exportada para as redes de transmissão. Da cana-de-açúcar também é produzido plástico (o chamado “plástico verde”) e um conjunto de outros subprodutos igualmente sustentáveis.
O ponto central do protagonismo brasileiro na produção e exportação de gêneros do Agronegócio é a eficiência na produção. Não é por outra razão que parte significativa das grandes companhias internacionais do Agronegócio tem operação no Brasil ou compram produtos brasileiros.
Trata-se, no entanto, de um setor homogêneo? Não e em nenhum sentido. Em outro artigo neste mesmo espaço (“As relações externas do Brasil e as pautas do agronegócio”), já tivemos a oportunidade de comentar sobre esse tema. Cada uma das cadeias produtivas do Agronegócio brasileiro tem méritos e problemas próprios; diferentes graus de aplicação de tecnologia e de eficiência; e desafios específicos a serem superados. Dentro de cada uma das cadeias produtivas podem ser identificadas, ainda, empresas e produtores com práticas distintas, como em qualquer outro setor da atividade econômica.
Para as más práticas, tem-se a necessária e rigorosa imposição da lei, assim como a consequente rejeição dos consumidores finais, no mercado interno e internacional, cada vez mais conscientizados da necessidade de se exigir responsabilidade socioambiental dos produtores e empresas.
As más práticas, entretanto, não podem ser tomadas como regra e contaminar a imagem do Agronegócio brasileiro como um todo, um setor que foi responsável por 42,4% do total das vendas externas do Brasil em 2018, segundo dados do Ministério da Agricultura.
O País é uma potência mundial na produção e exportação de alimentos e isso é um fato. Os produtos nacionais competem no mercado internacional com a produção oriunda de países economicamente desenvolvidos e em desenvolvimento, enfrentando várias faces do protecionismo: subsídios concedidos internamente; barreiras tarifárias e barreiras não-tarifárias; e resistência política, externada das mais variadas formas, inclusive sob o manto do discurso da preocupação ambiental.
Não poucas vezes, os defensores do livre-comércio resistem em aceitar as regras do jogo quando o competidor mais eficiente, em qualquer atividade econômica que seja, é um país em desenvolvimento. As demandas na Organização Mundial do Comércio – OMC desses países frente aos economicamente desenvolvidos parecem evidenciar isso.
Voltando ao noticiário internacional dos últimos dias. Há, sem sombra de dúvidas, verdadeiro sentimento de solidariedade das sociedades e Estados estrangeiros com o povo brasileiro em razão dos incêndios na Região Amazônica – expresso inclusive, mas não só – nas ofertas recebidas pelo País de ajuda financeira para enfrentar a situação.
A cooperação internacional é ponto basilar da ordem internacional construída a partir de 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU. Os gestos de solidariedade e a mútua ajuda entre os países, empreendida dentro dos princípios e demais normas do Direito Internacional, contribuem para a construção de um mundo melhor.
Mas é preciso, também quanto às reações externas ao momento que vive o Brasil, separar o joio do trigo. Sem desconhecer qualquer dos problemas de ordem interna e a urgente necessidade do Brasil em enfrentá-los, parece importante também refutar qualquer campanha de desconstrução da imagem do Agronegócio brasileiro.
Nesse contexto, não se pode perder de vista o fato de que os produtos agrícolas nacionais terão a chance – no âmbito do Acordo Mercosul – União Europeia, recentemente anunciado e em fase de formalização – de expandir sua presença no mercado europeu. Os 20 anos de negociação do Acordo dão a exata medida das resistências e dificuldades de construção de consensos, de lado a lado do Atlântico. Inclusive quanto à pauta do Agronegócio, haja vista que os europeus, liderados nesse setor pela França, também são tradicionais e importantes produtores de gêneros agrícolas.
Mal foi anunciado, há quem defenda agora, do outro lado do Atlântico, que o Acordo Mercosul – União Europeia não seja formalizado, associando o Agronegócio brasileiro, como um todo, a práticas ambientalmente criminosas.
Tais críticas podem ser fruto apenas do desconhecimento dos modelos produtivos adotados pelo Setor no País. Talvez até pela maior visibilidade que as más práticas alcançam, ainda que sejam específicas e localizadas. O caminho interno para solucioná-las está na aplicação das normas vigentes no País. Já as resistências comerciais dos outros países, essas são mais complexas de superar. Mas é preciso entender com clareza, separando-se o joio do trigo, qual o contexto em que cada crítica está inserida.
*Lucas M. de Souza – Advogado e Professor Universitário. Coordena a Área de Direito Internacional Privado do escritório Rocha, Calderon e Advogados Associados. É Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais. Especialista em Direito Internacional e em Política e Relações Internacionais. Licenciado em História e Bacharel em Direito.
Artigo publicado Blog do Fausto Macedo, no Portal do estadão. Confira a notícia original na íntegra clicando aqui.