Andou bem a Ministra Nancy Andrighi ao afastar decisão que revogou o benefício da gratuidade da justiça em razão da condenação da parte em litigância de má-fé (clique aqui para ler a notícia sobre a decisão).
É preciso considerar que tratam-se de institutos que possuem naturezas e finalidades distintas.
Ao passo que a gratuidade da justiça visa a democratização do acesso ao judiciário, beneficiando aquele que comprovadamente não dispõe de recursos financeiros para custear a demanda (isentando-o de custas processuais, depósitos recursais, honorários periciais, etc) sem prejuízo ao seu próprio sustento e de sua família, a litigância de má-fé tem caráter sancionatório e visa reparar os danos sofridos pela parte adversa em virtude da conduta desleal do litigante de má-fé.
Aliás, como bem observado no v. acórdão, o rol do artigo 80, do CPC/15 é taxativo, apresentando situações específicas em que se observa a deslealdade processual e a litigância de má-fé passíveis de sanção, lá não se encontrando, dentre as sanções cabíveis, a possibilidade de revogação da gratuidade judiciária. Esta, por sua vez, só admite revogação mediante comprovação pela parte adversa, de mudança na capacidade financeira do beneficiário.
A distinção dos institutos resta clara, ainda, pelos dizeres do artigo 98, § 4º, do CPC/15, no qual o legislador cuidou de expressamente dispor que a concessão da gratuidade não afasta o dever do beneficiário em arcar com as multas processuais que lhe tenham sido impostas.
Neste contexto, inclusive, cabe destacar que o posicionamento dos Tribunais Superiores é no sentido de que, ao contrário das verbas sucumbenciais, a multa aplicada em razão de litigância de má-fé não está sujeita à suspensão da exigibilidade prevista no artigo 12, da Lei 1.060/50 (precedente do STJ – EDcl no AgRG no REsp 1113799/RS, Min. Aldir Passarinho Junior, 16.11.09; EDcl no AgRg nos EDcl no Ag 1160679/SP, Min. Marco Aurelio Bellizze, 06.11.12).
E não poderia ser diferente, uma vez que a condição de hipossuficiência do beneficiário não pode lhe servir de albergue para a lide temerária e prática de atos atentatórios à justiça e à lealdade processual, que contrariam os deveres básicos das partes, segundo o que dispõe o próprio CPC em seu artigo 77.
Assim, ainda que o demandante haja de modo reprovável em juízo, disso não resulta a possibilidade de revogação do benefício da justiça gratuita, devendo-lhe serem aplicadas as sanções especificamente previstas para a hipótese de litigância de má fé.
Por Gisele de Andrade de Sá, sócia do Rocha, Calderon e Advogados Associados.