LGPD já está em vigor. E agora, o que fazer?

By 13 de outubro de 2020Notícias

Senado acaba com discussão sobre adiamento da Lei, retira jabuti do texto de MP e Lei Geral de Proteção de Dados vigora desde 18 de setembro.

Nem agosto de 2021, nem maio de 2021, muito menos dezem­bro de 2020. Nem governo, nem deputados. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já está em vigor desde o dia 18 de setembro, para a tran­quilidade de uns e desespero de outros. Muitos que apos­tavam em um adiamento, mesmo a lei tendo sido apro­vada em 2018, agora terão de correr contra o tempo.

No dia 26 de agosto de 2020 a MPV 959/2020 voltou ao Se­nado, sua casa de origem, para que os parlamentares aprovas­sem o texto modificado pelos deputados um dia antes. A Medida Provisória perderia sua validade naquele mesmo dia, caso não fosse votada.

A MP continha dois temas distintos. Um deles tratava da operacionalização bancária de auxílios criados durante a pandemia da Covid-19 e ou­tro tratava do adiamento para entrada em vigor da LGPD.

A Medida foi editada por Jair Bolsonaro em abril, e tenta­va adiar o início das regras de proteção de dados para maio de 2021. A Câmara aprovou o texto com um prazo menor, no fim de 2020, mas o Senado rejeitou o trecho por completo.

O governo sancionou na quinta, 17 de setembro, a Medida Provisória 959, já sem o trecho que propunha um novo adiamento da Lei Geral de Proteção de Dados Pesso­ais. Como o Senado havia de­terminado vigência imediata, a lei começou a valer no dia seguinte (18).

Para que a lei passasse a valer, o executivo federal criou no dia 26 de agosto, com dois anos de atraso, a estrutura da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão da Presidência da República que vai fiscalizar o cumprimento da legislação.

Empresas

Pesquisa realizada, em março deste ano, pela consultoria de riscos e compliance ICTS Protiviti mostra que 84% das companhias ainda não estão preparadas para a implemen­tação das novas regras. Ainda que a aplicação de multas por descumprimento ocorra so­mente a partir de agosto de 2021, o processo para que se adequem não é simples.

O cenário se agrava quando se constata que a letargia para a adequação retrocedeu durante a pandemia. Em outro estudo, realizado por meio do Portal LGPD criado pela ICTS Protiviti, para informar o grau de matu­ridade das empresas à LGPD, apontou que no segundo tri­mestre deste ano foi registrada uma queda de 89% no interes­se das organizações avaliarem seus processos para a adoção de medidas exigidas pela Lei.

“Frente a esses dados, agora é preciso acelerar este processo, pois mesmo que as sanções te­nham sido adiadas para agosto de 2021, quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) passará a apli­car as penalidades, como mul­ta de até 2% do faturamento por incidente, há riscos para as empresas. Órgãos como o Procon e o Ministério Público

podem basear-se nos princípios da LGPD para penalizar infra­tores”, alerta André Cilurzo, especialista em LGPD e diretor associado da ICTS Protiviti.

O levantamento revela que entre agosto de 2019 e mar­ço de 2020 havia uma média de 29,8 registros de análise de maturidade. Porém, entre abril e junho deste ano, a média mensal caiu para 3,3 registros por mês. Segundo a empre­sa, a queda significativa neste período se deveu à conjunção dos problemas ocasionados pela Covid-19 e às indefini­ções daquele período em rela­ção à vigência da LGPD.

O estudo, que contou com a par­ticipação de 192 companhias, mostra que as participantes não utilizaram a ampliação do prazo de vigência da legislação para se prepararem. Segundo o levan­tamento, as empresas possuem alguns mecanismos para atendi­mento à LGPD, porém carecem de foco, maturação e eficiência operacional para lidar com a lei.

Os dados da pesquisa mos­tram ainda que 41,3% das empresas indicam possuírem políticas e normativas para o tema. O dado representa um avanço nessa área em relação a primeira pesquisa feita pela consultoria, na qual 37% afir­mam ter essas medidas.

Porém, apenas 12,5% dizem possuir medidas protetivas para prevenção do risco de vazamen­to de informações de dados pessoais, indicador que no es­tudo anterior apontava 13,5%.

“Há vários pontos para consi­derarmos, entre eles, a insegu­rança jurídica no tratamento de dados de pessoas físicas, o au­mento de procedimentos para transação de dados internacio­nais, que reduz a eficiência ope­racional das empresas, e ainda possíveis danos aos cidadãos por vazamento de informações, sem contrapartida reparatória”, comenta André Cilurzo.

Com a entrada em vigor da LGPD, o Instituto Information Management ouviu especialis­tas no assunto. William Faria, DPO (Data Protection Officer), que atende o setor de segu­rança da informação da GFT Brasil e é advogado, aponta os impactos para as empresas com a chegada da nova lei.

Segundo ele, as empresas pre­cisam iniciar imediatamente seu programa de adequação à LGPD e reforçar a sua Ciberse­gurança. Isso implicará em gas­tos, mas que devem ser enca­rados como investimentos para gerar competitividade.

Na Europa, ficou claro que as empresas que se adequaram à GDPR (General Data Protec­tion Regulation) tiveram cres­cimento financeiro e reputa­cional perante os clientes.

“Em relação à fiscalização e sanções pela Autoridade Na­cional de Proteção de Dados não terá impacto imediato pois só ocorrerá em agosto de 2021”, explica Faria.

Porém, o especialista aler­ta: “A partir de agora, as empresas devem disponi­bilizar canais de atendi­mento para permitir que o Titular de Dados (Pessoa Física) possa exercer seus direitos tais como, con­firmação de existência de seus dados na empresa, solicitação de exclusão das suas informações, lista de atividades realizadas com seus dados pela empresa, entre outros. Isso sob a pena de sofrerem uma en­xurrada de processos cíveis amparados pelo Código do Consumidor (CDC) C, além de poder sofrer a qualquer momento uma fiscalização do Procon ou do Ministério Público” aponta.

William Faria diz que a di­ficuldade da fiscalização se dará pela própria falta de estrutura da Agência Na­cional de Proteção de Da­dos (ANPD) que, somente no dia 27 de agosto, teve seu decreto de estruturação publicado no Diário Oficial. Além de ser um órgão liga­do ao governo, e não ao Es­tado, ficará sujeita à política de plantão de quem está no comando do governo.

“Em relação às organiza­ções, a falta de controle delas com o uso dados que possuem vão dificultar as fiscalizações. No entanto, também servirá de arma contra elas mesmas, pois caberá à instituição provar que tem os cuidados com os dados pessoais ou que não possui esses dados, o ônus da prova será sempre da organização. O pior ce­nário para as empresas será sofrer, não uma fiscalização por um órgão, mas se sub­meter a milhares de pedidos dos titulares de dados sem que estejam prontas para isso” afirma o executivo.

Para William as empresas pre­cisam tomar, de imediato e urgente, os seguintes passos:

1) Nomear imediatamente um Encarregado de Proteção de Dados que se responsabili­ze pelas solicitações dos titula­res de dados e da ANPD;

2) Disponibilizar um canal de atendimento em sua página web para receber as solicita­ções dos titulares de dados.

3) Publicar sua política de pri­vacidade.

“Agora, há também outras etapas que devem ser reali­zadas o quanto antes, como mapeamento dos Dados Pessoais e classificação, ge­ração de Relatório de Aná­lise de Impacto de Dados (documento legal que deve ser enviado para a ANPD). Disponibilização de um por­tal para que os titulares pos­sam exercer seus direitos, adequação dos processos de negócio para garantir a privacidade, atualização dos procedimentos de Ciberse­gurança para garantir a pro­teção das informações pes­soais e a manutenção de um programa de gestão de pri­vacidade de maneira perene na organização”, aponta.

William diz que as empresas estrangeiras, principalmente as europeias, já estão todas adequadas com a GDPR e possuem mecanismos para garantir a privacidade dos dados dos cidadãos euro­peus. Agora, só vão precisar fazer pequenas adequações à LGPD se utilizarem os da­dos de cidadãos residentes no Brasil independentemen­te da nacionalidade.

“A implantação da LGPD dará mais segurança jurí­dica para que as empresas europeias possam investir e manter serviços aqui no Bra­sil. Isso será um ganho em forma de investimentos e aporte estrangeiro no Brasil, além de dar credibilidade às empresas brasileiras no mer­cado exterior, especialmente na Europa”, afirma Faria.

Para o especialista, somente com uma fiscalização rígida da ANPD ou Judicial é que se poderá garantir efetivamente que uma empresa está cum­prindo com a regulamenta­ção de proteção de dados. Entretanto, existem alguns dispositivos que permitem sa­ber o nível de preocupação e cuidado que a empresa tem com o tema.

São eles:

A publicação de uma po­lítica de privacidade na rede gera a transparência necessária

A disponibilização imedia­ta do histórico de trata­mento que os dados pes­soais foram submetidos, por meio de um dossiê disponível em portal de privacidade e disponível somente ao titular que o solicitar.

Disponibilização de for­ma antecipatória para a ANPD do Relatório Aná­lise de Impacto de Trata­mento de Dados o famo­so (DPIA), onde a empresa demonstrará ter mapeado cada tratamento, enqua­drando-o em uma das 10 bases legais referenciadas na LGPD e a identificação do nível de impacto e vul­nerabilidades encontra­dos no processo, descre­vendo seu plano de ação para combater as vulne­rabilidades encontradas e forma de contingência, mitigação e comunicação para caso ocorra um vaza­mento de dados pessoais naquele tratamento.

“Essas medidas podem de­monstrar o nível que uma empresa possui com relação aos cuidados com a privaci­dade de dados dos cidadãos e serão levadas em conta para uma eventual sanção por parte da ANPD, logo que demonstram o princípio da Boa Fé” ressalta William.

William Faria diz que existe um processo para fornecer os dados que forem pedidos. “O Artigo 19 da LGPD determina que as empresas devem forne­cer confirmação de existência ou o acesso a dados pessoais, mediante requisição do titular em formato simplificado de forma imediata (instantânea) ou por meio de declaração clara e completa, que indique a origem dos dados, a inexis­tência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tra­tamento, em um prazo de até 15 (quinze) dias, contado a par­tir da data do requerimento do titular”, explica.

De acordo com o DPO da GFT Brasil, existem duas hipóteses para o caso de exigência de ex­clusão de dados. “A primeira do Art. 16, segundo a qual os dados pessoais serão eliminados após o término de seu tratamento desde que não sejam necessá­rios para cumprimento de obri­gação legal ou regulatória pelo controlador, estudo por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais uso exclusivo do controlador, vedado seu acesso por terceiro, e desde que anoni­mizados os dados.

Outra hipótese está firmada no Art. 18, em que o Titular de da­dos pode solicitar anonimiza­ção, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessi­vos ou tratados em desconfor­midade com o disposto nesta Lei”, esclarece.

E ele continua: “A maioria das empresas tem optado por anonimizar os dados e conti­nuar a utilizá-los em seus BI (Business Inteligence) e assim manter informações de inte­ligência sem identificar mais quem é o dono da informa­ção”, finaliza William Faria.

Urgência

O advogado Fabiano Zava­nella é doutorando em Direi­to pela USP e Mestre em Di­reito pela PUC/SP, com MBA em Direito Empresarial pela FGV/SP. Ele é sócio do Rocha, Calderon e Advogados Asso­ciados e Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Estu­dos e Pesquisas em Ciências Políticas e Jurídicas (IPOJUR). Para o advogado, não existe possibilidade de recurso con­tra a entrada em vigor da lei. “A LGPD é de 2018, ou seja, já tivemos um período de va­cância bastante considerável e, apesar do cenário desfavo­rável por conta da pandemia, não me parece que há espa­ço ou movimentação políti­ca para mudar o cenário, ou seja, a lei já está em vigor e devemos adotar todos cuida­dos necessários para adequar as rotinas das empresas a tais previsões”, alerta Fabiano.

Fabiano, que também é profes­sor nos cursos de pós-gradua­ção e extensão em Direito Em­presarial do IBMEC, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Complexo Damásio Educacio­nal em São Paulo, fala das mu­danças que a LGPD traz para a proteção de dados. “A LGPD é uma lei robusta com uma série de critérios, conceitos, defini­ções e obrigações impostas a qualquer tipo de tratamento dos dados pessoais por pes­soa natural ou pessoa jurídica, com o objetivo de proteger a intimidade, a privacidade e a dignidade — preceitos funda­mentais garantido pela própria Constituição Federal —, desde que se tenha uma finalidade de proveito econômico advin­do desse tratamento”, aponta.

Para Zavanella, as empresas de­vem revisitar todas suas rotinas, padrões, políticas internas e, so­bretudo, os sistemas de seguran­ça de dados e informações sobre seus empregados e sobre o ne­gócio em si, já que os dados são considerados o bem mais precio­so na sociedade da informação. “Muitos setores ou empreendi­mentos depositam no tratamen­to de dados uma importância central dentro da atividade tan­to para divulgação de seus pro­ dutos, serviços e boas práticas, como também para apurar seus resultados e estratégia. Mas isso não mais acontecerá de manei­ra irrestrita, sob pena de sanções prevista na LGPD, que passam ser aplicadas apenas em agosto de 2021”, explica. O advogado prossegue: “As sanções previs­tas na LGPD estão no artigo 52 e, dentre tais, podemos destacar (serão melhor reguladas e ope­racionalizadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados): Advertência, bloqueio de dados, publicização da infração e multa, que pode chegar a até R$ 50 mi­lhões, dentre outras que seguem um critério de razoabilidade e ló­gica a partir da extensão e gravi­dade da falta”, ressalta.

Ainda não existe prazo para o governo implantar a Autori­dade Nacional de Proteção de Dados. No entanto, o decre­to 10.474, de 26 de agosto de 2020, aprovou a estrutura regimental e o quadro de car­gos e funções de confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. “A no­meação do conselho diretor e do diretor presidente depen­de de aprovação do Senado, sendo certo que as atividades das comissões permanentes daquela casa estão suspensas por conta da pandemia, logo ainda deveremos aguardar por essa definição para co­nhecer os ocupantes das res­pectivas cadeiras”, ressalta.

De acordo com o advogado, as sanções só poderão ser aplica­das a partir de agosto de 2021. Ele acredita que há tempo hábil para movimentação política no sentido de aprovar e nomear os cargos de direção da ANPD. “O ideal é que isso aconteça o quanto antes para que tenha­mos definição sobre uma série de assuntos e dúvidas advindas da própria interpretação da lei e dos desdobramentos dela no cenário empresarial atual do Brasil, em especial pelas graves dificuldades econômico-finan­ceiras impostas pela pandemia que alijam qualquer tipo de investimento em tal sentido”, conclui Fabiano Zavanella.

As principais competências da ANPD:

1) Zelar pela proteção de dados pessoais;

2) Fiscalizar e aplicar sanções em caso de descumprimento da LGPD;

3) Tratar de casos de segredos comercial e industrial;

4) Elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade;

5) Elaborar estudos sobre as práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e privacidade;

6) Estimular adoção de padrões que facilitem o controle dos titulares sobre seus dados pessoais.

Entrevista do advogado Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, para a Revista Information Management (IMA). Para ler o conteúdo na íntegra diretamente no Portal da publicação, clique aqui