A eficácia dos acordos realizados na vigência da MP 936 frente o advento da Lei nº 14.020, de 07.07.20
POR FABIANO ZAVANELLA
“ O art. 24 da Lei nº 14.020/20 indica que os acordos de redução proporcional de jornada e de salário e/ou de suspensão dos contratos de trabalho, firmados individual ou coletivamente entre empregados e empregadores ou sindicatos e empregadores, com base na medida provisória 936, regem-se pelas disposições da referida MP, ou seja, define o marco regulatório das alterações promovidas pela novel legislação que entrou em vigor no dia 7 de julho de 2020, portanto todos os ajustes firmados até 06 de julho de 2020 se guiarão pelos contornos normativos oferecidos pela medida provisória 936.”
Como ficam os acordos celebrados sob vigência da medida provisória 936 com o advento da Lei nº 14.020/20 ou até mesmo aqueles pactos realizados no período de limbo legislativo derivado da demora entre o encaminhamento e aprovação do projeto de conversão número 15, pelo Senado Federal, e a sanção presidencial e dessa até a edição do Decreto nº 10.422/20?
Para melhor contextualização do tema importante é fazer o desenho de uma breve linha do tempo desde primeiro de abril de 2020, data da publicação da Medida Provisória nº 936.
Considerando o que dispõe o art. 62, § 7º da Constituição Federal uma Medida Provisória terá vigência pelo prazo de sessenta dias prorrogáveis por igual período caso ainda não votada em ambas as casas do Congresso Nacional, portanto no tocante a Medida Provisória nº 936, que teve sua vigência prorrogada em 28 de maio de 2020 pelo ato número 44 exarado pelo Congresso Nacional, a mesma se estenderia até primeiro de agosto de 2020.
Ao longo desse período desde à publicação da referida medida provisória que instituiu o importante programa de proteção do emprego e da renda através das mecânicas de redução proporcional da jornada de trabalho e do salário e/ou da suspensão do contrato de trabalho pelo prazo máximo de noventa dias na soma dos mecanismos desde que a suspensão não superasse sessenta dias, o debate sobre o assunto foi bastante intenso em todos os setores da sociedade assim como nos respectivos poderes da República (o STF julgou, inclusive, um pedido liminar deduzido na ADI 6363 a respeito da possibilidade ou não dos ajustes individuais decidindo pela validade dos mesmos, por exemplo).
No tocante ao plano legislativo em 16 de junho de 2020 o Senado Federal aprovou o projeto de lei de conversão número 15, oriundo da Medida Provisória 936, com alterações importantes no texto originário e, assim, encaminhou-o para análise presidencial, o qual foi sancionado e publicado apenas em 07 de julho de 2020, nascendo assim no ordenamento pátrio a Lei nº 14.020/20.
A tão esperada lei de conversão da medida provisória prevê a prorrogação dos prazos de redução proporcional da jornada e do salário e, também, da alternativa de suspensão do contrato de trabalho, entretanto condicionou tais hipóteses ao ato do Poder Executivo que através do Decreto nº 10.422/20 publicado em 13 de julho de 2020 fixou, então, um limite temporal máximo para adoção de tais técnicas de preservação do emprego e da renda de até 120 dias (mais 60 dias para suspensão e outros 30 para redução), considerando-se os ajustes feitos à luz da até ali vigente medida provisória 936.
O que importa toda essa digressão temporal na construção da resposta ao questionamento feito no início desse texto?
O art. 24 da Lei nº 14.020/20 indica que os acordos de redução proporcional de jornada e de salário e/ou de suspensão dos contratos de trabalho, firmados individual ou coletivamente entre empregados e empregadores ou sindicatos e empregadores, com base na medida provisória 936, regem-se pelas disposições da referida MP, ou seja, define o marco regulatório das alterações promovidas pela novel legislação que entrou em vigor no dia 7 de julho de 2020, portanto todos os ajustes firmados até 06 de julho de 2020 se guiarão pelos contornos normativos oferecidos pela medida provisória 936.
Nesse particular vale ainda lembrar que o inciso I do parágrafo segundo do art. 5º da Lei nº 14.020/20, como também já previa a MP 936, fixa o prazo de 10 dias para que o empregador comunique o Ministério da Economia através da plataforma empregador web ou e-social (empregador doméstico), a contar da data da assinatura do ajuste individual, a fim de que o empregado receba, no prazo de até 30 dias contados desse mesmo marco, ou seja, dia que firmou o acordo, o benefício emergencial de proteção do emprego e da renda (BEM), que se partirmos do exemplo acima, ou seja, um pacto firmado em 6 de julho de 2020 a necessária informação avançará no tempo e coincidirá com o vigor da nova lei, mas isso não descaracteriza ou inviabiliza o ajuste entabulado nos moldes da MP.
Uma outra hipótese que se pode pensar que, inclusive, aconteceu com certa frequência é a realização de acordos individuais a partir do dia 7 de julho de 2020, publicação da Lei nº 14.020/20, até o dia 13 de julho de 2020 (publicação do Decreto nº 10422/20), quando ainda não se tinha o novo prazo permitido para as mecânicas centrais do estudo (redução ou suspensão), os quais são válidos se observarem tais limites (novos 60 dias para suspensão e outros 30 para redução, desde que na soma geral – ao longo da medida provisória e agora sob égide da Lei nº 14.020/20 – não se ultrapasse 120 dias), já que ainda dentro do prazo de 10 dias para comunicação ao Ministério da Economia – um risco necessário que muitas empresas correram ao não aguardar a edição do decreto, portanto válidos também tais ajustes.
Os eventuais acordos firmados antes da edição da Lei nº 14.020/20 quando já se havia exaurido os prazos permitidos pela MP 936 (máximo de 90 dias para combinação da redução e da suspensão), não geram efeitos e impõe ao empregador o ônus de arcar com a integralidade dos salários e benefícios para o respectivo período, o que cria, o que se chamou na pergunta inaugural de limbo legislativo para as empresas que anteriormente já haviam esgotados os prazos das técnicas de preservação e emprego e só depois de 7 de julho de 2020 puderam novamente adotá-las por um novo período de até 30 dias (considerando que se já haviam esgotado, utilizaram por 90 dias e, portanto, restam os indicados 30 dias para atingir o novo limite de 120 dias).
Por fim importante sublinhar o disposto no inciso II do § 5º do art. 12 da Lei nº 14.020/20 pelo qual prevalece a norma coletiva que entra em vigor, em detrimento ao ajuste individual se mais favorável for ao empregado sendo certo que até a referida data o acordo singular se aplica ao período anterior da negociação coletiva, regra essa que se aplica, inclusive, conforme disposto no parágrafo único do art. 24 da mencionada lei, aos ajustes pactuados na vigência e conforme a Medida Provisória nº 936.
São essas breves linhas e considerações para algo que deveria ser de fácil e simples compreensão, mas que infelizmente, a urgência e redação apressada do regramento impõe uma complexidade que agrava ainda mais o cenário caótico imposto ao segmento empresarial pelos efeitos da pandemia, que se tenha serenidade e bom senso tanto na adoção como na interpretação de tais medidas a fim de não se aumentar ainda mais a chaga que permanecerá em aberto por muito tempo até que consigamos alguma recuperação da nossa combalida economia.
FABIANO ZAVANELLA é Doutorando em Direito pela USP e Mestre em Direito pela PUC/SP, com MBA em Direito Empresarial pela FGV/SP. Ele é pesquisador do GETRAB-USP, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados e Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Ciências Políticas e Jurídicas (IPOJUR). É, também, Professor nos Cursos de Pós-graduação e Extensão em Direito Empresarial do IBMEC, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Complexo Damásio Educacional em São Paulo, entre outros.
Artigo do advogado Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados publicado na edição nº 43, da Revista Conceito Jurídico. Para ler o conteúdo diretamente da revista, a partir da página 66, clique aqui.