Fabiano Zavanella*
Em um momento em que a insegurança jurídica paira nas relações entre empregadores e empregados quando o tema é contribuição sindical, já que as empresas não sabem se devem ou não descontar tal contribuição da folha dos trabalhadores, a comissão mista que deve analisar a Medida Provisória 873/2019 ainda não foi instalada e a matéria, para não perder a eficácia, necessita de aprovação até o início de julho deste ano.
A MP, editada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, disciplinou a organização e administração financeira das entidades sindicais, exigindo que qualquer contribuição sindical facultativa ou mensalidade somente poderão ser cobradas e pagas mediante prévia, voluntária, individual e expressa autorização do empregado, sobrepondo-se à autorização de assembleia e aos estatutos da entidade sindical.
Além disso, a medida estabeleceu que as cobranças das contribuições facultativas ou das mensalidades somente podem ocorrer, exclusivamente, na forma de boleto bancário ou equivalente eletrônico.
Antes de entrar na discussão direta que a MP trouxe para o cenário jurídico, é importante retomar a alteração que a Lei nº 13.467/2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, impôs às contribuições sindicais quando estabeleceu que elas (as contribuições sindicais) seriam facultativas e que o desconto só poderia acontecer mediante autorização prévia e expressa do empregado.
Antes, a contribuição, equivalente a um dia de trabalho, era obrigatoriamente descontada do salário todos os anos na folha do mês de março.
A despeito do que a CLT passou a estabelecer sobre o tema, somente no ano de 2018, mais de 100 decisões judiciais permitiram o desconto sem a prévia e individual autorização do trabalhador. Diante dessas demandas no judiciário, as empresas ficaram sem saber o que fazer em relação ao desconto da contribuição sindical.
Neste contexto, a medida objetivou proporcionar um regramento acerca da forma de cobrança da contribuição, dando nova redação aos artigos 578, 579 e 582, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), explicitando em seu texto, inclusive, a menção de que o trabalhador deve autorizar ‘prévia, expressa e individualmente a contribuição’.
Por óbvio, o assunto gera muito clamor, pois, além dos aspectos econômicos – e com intervenção direta no texto na medida provisória pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes -, temos três sujeitos importantes da sociedade envolvidos nessa relação: empresas, sindicatos e empregados.
Daí o motivo pelo qual o desenrolar desse assunto é muito caro ao Brasil, já que os protagonistas desse impasse jurídico também são os personagens centrais da retomada da economia.
Sob esse quadro, é importante ponderar também, que, a MP estabeleceu em sua redação que a contribuição deve ser por boleto ou outro método equivalente, ainda que forma diversa tenha sido objeto de negociação coletiva.
Ora, temos aqui uma incoerência, já que, ao reiterar um ponto trazido pela Reforma Trabalhista, ela (a Medida Provisória) contradiz outro, que é a prevalência do negociado sobre o legislado, pelo qual se reforça o princípio da autonomia privada coletiva e da extrema relevância dos ajustes coletivos como fonte autônoma e mais adequada para o direito do trabalho.
Outro ponto crucial envolvendo a MP 873 gira em torno da sua constitucionalidade, tanto em relação à forma (já que se questiona se esse seria o meio constitucional adequado para o presidente da República disciplinar a contribuição sindical, tendo em vista as limitações de temas que podem ser tratados em Medidas Provisórias bem como a eventual demonstração da urgência), quanto à matéria disciplinada pela MP, também questionada pela comunidade jurídica e empresarial em relação a possíveis afrontas à Carta Magna.
Neste quesito, de um lado, temos os sindicatos argumentando que a medida não cumpriria urgência e, por isso, seria inconstitucional, além de ferir o princípio do artigo 8º da Constituição, que estabelece a liberdade sindical. Na outra ponta, o governo afirmando que a MP objetivou garantir a liberdade de associação dos trabalhadores.
Ainda sobre o método de recolhimento adotado pela MP (boleto ou similar), o regramento gera grande entrave na própria operacionalização da cobrança e, ainda, na dinâmica distributiva do valor em si, tendo em vista que ela não é integralmente destinada aos Sindicatos, logo, quem se encarregará desse fatiamento?
Cada qual emitirá um boleto específico de seu quinhão? Qual segurança isso trará para o trabalhador? A empresa deverá orientar sobre tais aspectos?
Diante disto, há um grande risco de cobranças e pagamentos indevidos, além, é claro, da complexidade e custo que o mecanismo trará merecendo, sob tal aspecto, ajustes que adequem a dinâmica da autorização expressa e individual do trabalhador para tal desconto (algo que o art. 611-B da Lei 13.467/2017 já não deixava dúvidas), mas que também permita ao Sindicato arrecadar de forma descomplicada daqueles que querem contribuir e, inclusive, com a operacionalização da própria empresa, já acostumada a tais repasses, sobretudo se tal restar ajustado na norma coletiva (não a cobrança indistinta e ajustada por assembleia, mas a forma em relação aos que expressamente autorizaram, até mesmo, em folha, por que não?).
*FABIANO ZAVANELLA é sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, Advogado, Professor de Graduação, Pós-Graduação e Extensão em importantes instituições de ensino. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, possui MBA em Direito Empresarial com Extensão para Docência, Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/PT. É Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB/SP. Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Ciências Políticas e Jurídicas (IPOJUR). Membro do Comitê Executivo da Comunidade CIELO LABORAL e Pesquisador do GETRAB/USP.
Artigo publicado no Blog do Fausto Macedo, no Estadão. Para ler a publicação original, clique aqui.
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