Artigo do advogado Daniel Alexandre Sarti, Coordenador de Recuperação de Crédito do Rocha, Calderon e Advogados Associados, para o Estadão
Despejos e reintegrações na pandemia
Por Daniel Alexandre Sarti – Coordenador de Recuperação de Crédito do Rocha, Calderon e Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito. Advogado e Consultor Jurídico com ampla experiência no acompanhamento e condução de processos judiciais envolvendo temas de direito bancário, recuperação judicial e falência.
A pandemia da Covid-19, iniciada em meados de março de 2020, resultou em uma série de restrições que envolvem um número elevado de pessoas, justamente pelo fato de que grandes aglomerações podem influenciar numa maior difusão do vírus do coronavírus, incluindo as suas diversas variantes, cujos efeitos ainda são objeto de inúmeros estudos por parte da comunidade científica e médica em geral.
O Poder Judiciário sentiu e sente os efeitos desta crise sanitária global, tendo sido adotadas uma série de medidas visando eliminar ou ao menos minimizar os impactos trazidos pela pandemia, ainda que tais medidas possam decorrer das ações propostas por pessoas com os mais diversos interesses políticos e sociais.
Desta forma, no ano de 2021 fora proposta uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando obstar, ainda que temporariamente, os despejos e reintegrações realizados no País, já que tais procedimentos podem resultar em inúmeros conflitos envolvendo um número considerável de pessoas que ocupam um determinado terreno, cenário propício para a ampla transmissão do novo coronavírus.
Tal ação, sob a forma da Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828 (ADPF), sob a relatoria do ministro Roberto Barroso, tornou-se o instrumento adotado para legitimar a suspensão das ordens de retomada de bens imóveis ilegalmente ocupados por famílias. Este processo encontra-se registrado sob o nº 0052042-05.2021.1.00.0000.
Cabe enfatizar aqui que a política de acesso a moradia tornou-se uma das obrigações mais importantes que o Poder Público deve cumprir, sendo certo que os resultados trazidos pelas ações adotadas estão abaixo das expectativas de boa parte da sociedade. Porém, tal situação não pode ser utilizada como justificativa para fins de ocupação indiscriminada de imóveis de maneira irregular, já que estas condutas, além de não resolver definitivamente o drama da moradia, contribuem para aumentar um cenário de apreensão e violência na sociedade brasileira.
Quando a ação fora proposta, a pandemia no Brasil encontrava-se em um dos seus momentos mais dramáticos, com um número diário de contaminados e mortos sendo registrados junto aos órgãos públicos, resultando em inúmeras medidas de restrição social adotados pelas diversas entidades da federação (P.ex.: Antecipação de feriados municipais, suspensão do funcionamento de locais que resultam em aglomerações, como shoppings, danceterias etc.).
Além disso, em outubro de 2021, fora aprovado o projeto que resultou na Lei Federal nº 14.216/2021, cujo teor estabelecia a suspensão de ordens de remoção e despejo em imóveis urbanos até o dia 31 de dezembro daquele ano.
Desde então, uma série de decisões adotadas pelo relator na ação supracitada acabam prorrogando as suspensões de despejo, englobando não apenas os imóveis urbanos, mas também aqueles localizados no meio rural, sem que tais decisões efetivamente estejam em consonância com o cenário de combate a pandemia ou estejam balizadas em critérios epidemiológicos.
Porém, um dos efeitos trazidos por este processo e os atos desde então praticados pelo relator, são uma série de decisões judiciais adotadas em processos individuais que, baseando-se na ADPF em discussão, estabelecem a suspensão das ordens de despejo e reintegrações de natureza individual.
Ora, tais decisões fogem ao que consta no próprio teor da ação que tramita no STF, já que a proteção contra despejos concedida neste processo engloba apenas as reintegrações de natureza coletiva, assim entendidas como aquelas que envolvem um número indeterminado de ocupantes.
É o que, ocorre, por exemplo, nos casos envolvendo inúmeras famílias que invadem um terreno na beira de uma avenida ou estrada, para fins de instalação de barracos que não possuem o mínimo de segurança quanto a sua estrutura.
Não é o caso das reintegrações e despejos atrelados a ações em que os réus se encontram devidamente identificados previamente, como é o caso de uma ação de despejo contra um locatário que não cumpriu com as obrigações decorrentes de um contrato anteriormente celebrado.
Evidentemente que já existem julgados que buscam corrigir esta interpretação, buscando harmonizar o andamento dos processos individuais com a própria ação que tramita no STF. É o que pode ser destacado no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2272327-90.2021.8.26.0000, em trâmite junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Desta forma, é fundamental que os diversos julgadores busquem identificar quais são as ações que envolvem despejos ou reintegrações individuais ou coletivas, evitando-se aplicar de forma indiscriminada as decisões que são proferidas no âmbito da ADPF que tramita junto a Suprema Corte.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, do dia 20 de agosto de 2022, página A8. Para ler o texto diretamente no site do Estadão, para quem é assinante do jornal, clique aqui.