Desafios do cumprimento da Recuperação Judicial

By 30 de março de 2023Notícias

Por Daniel Alexandre Sarti

Em recente julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), adveio um entendimento importante no que concerne ao simples ato de se afirmar a impossibilidade de se cumprir com as obrigações ou o plano de recuperação judicial como um todo: Tal declaração, por si só, não é suficiente para justificar a convolação de uma recuperação judicial em falência. Tal jurisprudência fora produzida nos autos da Recurso Especial nº 1.707.468, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Vale dizer, a simples manifestação acerca da dificuldade no cumprimento das obrigações, segundo o STJ, não é suficiente para dar início aos trâmites falimentares, sendo necessária algum tipo de prova mais robusta que demonstre que o devedor descumpre suas obrigações.

O sistema da Recuperação Judicial foi concebido para equilibrar e proteger tanto os interesses do empresário que enfrenta dificuldades, como o dos credores que não devem ser prejudicados pelos problemas econômico-financeiros do titular da empresa, no que tange ao recebimento dos seus direitos.

Via de regra, o prazo de cumprimento do plano de recuperação judicial, antes do seu encerramento, é de 2 (dois) anos, contados da sua concessão, podendo este período ser dilatado, cabendo, todavia, de acordo com o Relator, a fiscalização por parte dos credores.

Em razão disso, a partir do momento em que um plano de recuperação é aprovado e homologado pelo magistrado, mister se faz necessário que todos os participantes do processo, incluindo os credores, o Administrador Judicial e o próprio juiz acompanhem o desenrolar do seu cumprimento, manifestando-se no tempo oportuno e legalmente previsto, evitando-se assim maiores percalços.

Para os credores que estão mais vinculados a atividade comercial ou empresarial, incluindo instituições financeiras e fornecedores de produtos e serviços, este controle do cumprimento do plano de recuperação judicial é fundamental, haja vista que a dificuldade na execução pode colocar em risco a própria saúde financeira deles.

Ou seja, o entendimento exarado pelo tribunal serve de alerta e referência principalmente para o credor. A primeira reação deste, de forma absolutamente normal, diante da informação obtida acerca da dificuldade da empresa em cumprir com o plano seria buscar a rápida conversão da recuperação na quebra desta, com o afastamento dos administradores vinculados ao empresário ou sociedade empresarial e a sua substituição pelo próprio Administrador Judicial que atua nos autos.

Desta forma, o Judiciário brasileiro inclina-se no sentido de não se basear apenas em meras declarações ou conjecturas para justificar a quebra de uma empresa, com a consequente apuração da massa patrimonial que servirá de referência para o pagamento dos credores.

Pode-se dizer, inclusive, que esta linha de raciocínio apresentada pelo STJ se encontra em consonância com o princípio da verdade formal prevista no sistema do processo civil pátrio, cuja característica envolve a análise apenas do que é trazido no bojo de um determinado processo judicial, sem se ater a alegações que estejam fora dos autos.

Diante disso, o magistrado também precisa adotar o cuidado necessário no andamento de uma recuperação judicial, analisando todo o acervo probatório apresentado pelas partes envolvidas antes de decidir acerca dos rumos de uma empresa que se encontra em crise.

Também os credores precisarão estar atentos ao teor das documentações apresentadas nos autos, a fim de se verificar se efetivamente alguma obrigação vinculada ao plano veio a ser descumprida, antes de se requerer a decretação da falência da empresa.

Embora este entendimento jurisprudencial possa parecer prejudicial para os credores em um primeiro momento, ainda assim pode servir de apoio a eles, já que se abre uma margem de segurança para se demonstrar nos autos que o devedor não está cumprindo com as suas obrigações ou uma recuperação judicial como um todo.

Além disso, o juiz terá melhores condições de decretar a falência da empresa, com menores chances de a decisão ser revertida por vias recursais.

Daniel Alexandre Sarti – Coordenador de Recuperação de Crédito do Rocha, Calderon e Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito. Advogado e Consultor Jurídico com ampla experiência no acompanhamento e condução de processos judiciais envolvendo temas de direito bancário, recuperação judicial e falência

 

 

Artigo publicado no Valor Econômico de 30 de março de 2023. Se você é assinante, clique aqui para ler o conteúdo na íntegra: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/desafios-do-cumprimento-da-recuperacao-judicial.ghtml