Camila Maria Foltran Lopes é advogada do Rocha, Calderon e Advogados Associados.
Ecoa na sociedade, com destaque especial nas redes sociais, o debate sobre a ideia legislativa conhecida como “criminalização do funk”.
A proposta faz uma ligação direta entre o funk e a ocorrência de diversos crimes e contravenções, especialmente de cunho sexual, e ainda algumas práticas ditas moralmente recriminadas. Em sua defesa a ideia legislativa, classifica o funk como uma “falsa cultura”.
Segundo o conhecido site de pesquisa Wikipédia cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”, assim totalmente descabida a afirmação contida na ideia legislativa, pois a própria ideia concorda com sua prática corriqueira na sociedade, e, como sabemos, com maior destaque nas classes menos favorecidas.
Certo é, que as diversas práticas criminosas descritas na ideia legislativa possuem sua respectiva tipificação e sanção penal, o que, por conseguinte, nos leva a crer que o objetivo do projeto é a criminalização do funk em si (música) e não de eventual conduta lesiva efetiva, o que importa dizer que o que se propõe é a censura.
O funk é um estilo musical de origem norte-americana, nascido na década de 60 e que, há aproximadamente 30 anos, fincou sua raiz em solo nacional com contornos próprios. Há cerca de 30 anos sofre perseguições e colaciona adeptos e desafetos. Isso é o funk.
A par de todo esse caloroso embate, certo é que o funk é um gênero musical e não uma prática criminosa. Sua batida é hipnotizante e suas letras (todas elas, leves ou pesadas) espelham a realidade de muitos de seus ouvintes.
Há mais de três séculos a sociedade luta pela liberdade e esta ganha um contorno a cada geração. Pagamos um preço ao conquistarmos a liberdade, esse preço é respeitar a liberdade do outro. O estilo de vida, as posturas íntimas e o gosto musical e até mesmo a ausência deles está na esfera de liberdade de cada um, e como tal deve ser respeitado. A censura não tem limites e o que hoje não agrada amanhã pode prender e depois quiçá matar. Hoje é a música que você ouve; amanhã, a roupa que você veste; depois, o cabelo que você penteia.
No caso do funk temos que muito mais, a música imita a vida, do que a vida imita a música. As letras dos funks, tidos pesados, são inspiradas na realidade vivida diuturnamente por integrantes de comunidades esquecidas pelas políticas públicas.
A própria discussão sobre essa ideia legislativa é fantástica, pois traz à vitrine social duas importantes discussões. A primeira é sobre o efetivo exercício do Poder por seu legítimo detentor, o povo. Ao apresentar a ideia legislativa o proponente leva a discussão um Instant Knockout assunto que lhe é afeto tornando-se um sujeito ativo na sociedade em que vive e não apenas um cidadão submisso e passivo às propostas de seus representantes. Independente das razões e ideologias, certo é que se fez visível o pleno exercício da democracia em um Estado de Direito.
A segunda diz respeito ao tratamento que devemos dar não ao que os outros falam, através de música, textos, imagens ou qualquer tipo de comunicação, mas sim ao tratamento que damos ao receber a informação.
É saudável e evolutivo educarmos nossos ouvidos para que filtrem e interpretem o que se ouve. Ninguém é obrigado a concordar com o outro, ou a manter os mesmo hábitos e gostos. A diversidade gera reflexão e evolução, nos permitindo a pensar.
A correlação indiscriminada entre o funk e as práticas tidas como moralmente recriminadas ou até mesmo com práticas criminosas são preconceituosas e descabidas, assim como a criminalização do funk (letras, canções, melodias) é medida inócua ao que de fato se deve punir, e medida suicida ao Estado de Direito.
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