O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Souza Cruz não deve indenizar a viúva e os filhos de um homem que morreu em 2002, depois de fumar durante 30 anos. Em decisão unânime proferida no dia 22/05/2018, no REsp 1.322.964/RS, a 3ª Turma reverteu a condenação por danos morais determinada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
Diversamente do que concluiu o TJRS, Villas Bôas Cueva apontou a impossibilidade de comprovar que ao longo dos 30 anos de vício foram consumidos apenas cigarros da Souza Cruz, afirmando ser irrazoável transferir esse ônus para a empresa, visto que se trata de prova negativa de impossível elaboração.
O relator do caso entendeu, ainda, que os riscos à saúde associados ao cigarro são amplamente divulgados, de forma que o consumidor tem liberdade para escolher se quer fumar apesar dos perigos conhecidos. Portanto, segundo ele, é de se respeitar a liberdade de fazer escolhas, inclusive aquelas que sejam prejudiciais à saúde, sob pena de violação da autonomia individual que norteia a ordem constitucional democrática.
Cueva também argumentou que a literatura médica não é unânime em afirmar que a doença do ex-fumante, tromboangeite obliterante, manifesta-se exclusivamente por causa do tabagismo. Portanto, na visão dele, a indústria não poderia ser obrigada a indenizar a viúva e os filhos do homem.
No processo, a família alegou que o homem começou a fumar em 1973, motivado pela publicidade veiculada à época pela Souza Cruz. De acordo com os familiares, mesmo após a proibição das propagandas de cigarro em 1996, o homem continuou o consumo do produto por suposto vício adquirido. Ainda segundo os parentes, um médico orientou o homem a abandonar o hábito, mas por conta da dependência ele não teria conseguido parar de fumar até a morte em 2002.
De acordo com a Souza Cruz, mais de 600 pedidos judiciais semelhantes foram encerrados nos últimos anos e as decisões transitadas em julgado negaram que o setor tenha a obrigação de indenizar fumantes, ex-fumantes ou familiares.
As decisões definitivas confirmam o conhecimento público e notório acerca dos riscos associados ao consumo de cigarros; a ausência de defeito no produto; o livre arbítrio dos consumidores em optar (ou não) por fumar; e a ausência de nexo causal direto e imediato entre a doença e o consumo de cigarros.
Com o julgamento, a Terceira Turma corroborou o entendimento consolidado na Quarta Turma do STJ sobre o tema, no sentido de que o cigarro, cuja produção e comercialização são atividades lícitas, não é um produto defeituoso, mas de periculosidade inerente. Além disso, concluiu-se não ser possível aplicar as normas atuais de defesa do consumidor a fatos ocorridos no passado, que começaram antes mesmo da Constituição de 1988, especialmente no que se refere ao controle da publicidade promovida pela indústria tabagista.
Por Michel Pillon Lulia, advogado do Rocha, Calderon e Advogados Associados, a respeito da decisão do STJ, que pode ser conferida na íntegra clicando aqui.