Uma das garantias da lei é permitir a todos que tenham acesso a suas respectivas informações registradas nos bancos de dados de forma gratuita e instantânea
Sancionada em abril deste ano, A Lei Complementar n.º 166/2019, muda as regras de inclusão de pessoas no Cadastro Positivo. Dessa forma, todas as pessoas físicas e jurídicas passarão a integrar os bancos de dados automaticamente, sem que para isso tenham dado autorização prévia.
A medida só passa a valer a partir de seis meses da sanção. Após esse prazo, as instituições financeiras deverão fornecer as informações dos clientes aos bancos de dados em atividade.
Criado em 2011, o Cadastro Positivo é uma forma de facilitar o acesso a crédito – como empréstimos e financiamento – aos considerados bons pagadores no mercado, isto é, àqueles que quitam contas como água, luz, telefone e cartões em dia. Segundo a lei complementar, o histórico do consumidor é um conjunto de dados financeiros e de pagamentos, relativos às operações de crédito e obrigações de pagamento cumpridas ou em andamento por pessoa física ou jurídica.
De acordo com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quase 40% do spread bancário são oriundos da inadimplência dos consumidores. O spread, que é a diferença entre o que o banco cobra para emprestar e o que paga para captar recursos, é um dos motivos de os juros serem tão altos no País, na avaliação dele.
Como os bancos de dados terão mais informações, será mais fácil para as lojas e instituições financeiras analisarem o perfil dos consumidores antes da decisão de concessão de crédito. “A inclusão prévia é benéfica, pois desburocratiza o processo de uso dos dados. Como grande parte dos consumidores desconhecem o tema, então aguardar que o próprio consumidor autorize o uso dessas informações é algo que realmente não acontece”, pontua Dênis Piazza, gerente de projetos da empresa de análise de crédito Deps Tecnologia.
Para a diretora da EACO Consultoria (GBrasil | Curitiba – PR), Dolores Biasi Locatelli, a partir dessa mudança, certamente haverá mais transparência no relacionamento entre consumidores e o mercado, já que o cadastro será “realimentado” constantemente. Ela pontua que, na prática, a inclusão sem autorização prévia também será benéfica ao comércio. “As informações de quem busca o crédito estarão abertas para consulta no banco de dados, sem o custo operacional de análise de risco relativo ao retorno do crédito a ser concedido, que, nos moldes atuais, é suportado pelas empresas e pessoas que concedem os recursos. Hoje, o risco de inadimplência está embutido nas taxas de juros que são aplicadas a todos, então bom pagador paga pelo mau pagador”, explica.
Já o diretor da De Paula Contadores (GBrasil | Foz do Iguaçu – PR), Antônio Derseu de Paula, pondera que seria importante que fossem incluídos somente quem desse essa autorização. Ele se mostra reticente quanto à mudança, pois, em sua avaliação, o risco é de que os bancos utilizem esse sistema para começar a ofertar crédito excessivamente aos consumidores. Derseu lembra que, desde o início, o Cadastro Positivo já era uma promessa de queda dos juros, o que não ocorreu na prática. “Os juros podem cair eventualmente, mas não no curto prazo”, acredita. O diretor ressalta que há o risco de os bancos de dados e instituições financeiras não respeitarem os direitos relativos à segurança das informações.
Ambiente para negócios e garantias para crédito
Uma garantia que o Congresso quer, também mantida na sanção, é da queda dos juros de fato. O Banco Central terá de encaminhar ao Congresso, em até 24 meses, um relatório com todos os resultados que essa mudança trouxer, inclusive na redução ou no aumento do spread bancário sobre os juros a consumidores com boa avaliação.
Dolores enfatiza que o custo do crédito deve cair para as empresas na mesma proporção em que cai o custo operacional para análise do crédito, manutenção do banco de dados e a taxa de risco adicionada ao custo da operação.
O advogado empresarial e gestor da área de recuperação de créditos judiciais e extrajudiciais do Rocha, Calderon e Advogados Associados, Marco Ferlin, explica que antes desses dois anos já haverá um impacto significativo. “Até então, era feita uma avaliação de crédito com base nos dados restritivos dos consumidores, o que gerava uma análise muito superficial. A partir dessa mudança no Cadastro Positivo, a análise será sobre informações mais completas e qualificadas. Em torno de dois ou três meses [a partir da implementação da mudança] já haverá algum tipo de resultado”.
Ele ressalta que os bancos e financeiras estavam acostumados com o antigo modelo de avaliação, que analisava apenas o score [pontuação] do consumidor, sem levar em consideração dados que eram importantes na concessão do crédito. “Dessa forma, a queda de juros, que me parece ser o principal alvo dessa mudança, vai ser muito interessante no momento em que a gente conseguir mensurar a quantidade de recuperação de crédito e a queda na taxa de juros para financiamentos em função do aquecimento da economia”.
Ele explica que as garantias impostas pelos bancos para que as empresas consigam ter acesso ao crédito devem diminuir. “Os bancos procuram se cercar da maior segurança possível na hora de conceder o crédito, então, diante de um cadastro com uma pontuação alta, essa instituição pode pedir uma garantia menor na hora de conceder o crédito”, diz.
Nessa mesma linha, Dolores esclarece que essas garantias exigidas atualmente para comprovar que a organização é capaz de pagar por um empréstimo ou financiamento podem ser dados da empresa, o balanço patrimonial, ou até mesmo ativos como veículos, terreno ou imóveis. “E ainda assim, irão pagar pela taxa de risco embutida nos juros altos”.
Legislação
Uma garantia imposta na lei é a de permitir que todos tenham acesso a suas respectivas informações registradas nos bancos de dados de forma gratuita e instantânea. Os bancos de dados deverão informar a pessoa sobre a abertura do cadastro em seu CPF, bem como a possibilidade de os dados serem compartilhados com outros bancos de dados. Essa informação deverá ser repassada ao consumidor por meio eletrônico ou físico e deverá incluir os detalhes e canais para cancelamento.
Informações erradas deverão ser corrigidas ou excluídas em até dez dias após a solicitação do cadastrado.
A operação das informações será feita pelos birôs de créditos. São eles: Boa Vista SCPC, Serasa Experian, Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e Gestora de Inteligência de Crédito (GIC). Essas empresas são especializadas nessas análises.
Com os dados de um consumidor, os gestores dos bancos de dados geralmente criam uma pontuação ou nota, de modo a avaliar se aquela pessoa tem um risco grande, baixo ou moderado de ficar inadimplente.
Além disso, o gestor está autorizado, nas condições estabelecidas na lei, a abrir cadastro em banco de dados com informações de adimplemento tanto de pessoas quanto de empresas; também pode fazer anotações no cadastro.
Pode ainda compartilhar as informações cadastrais e de adimplemento armazenadas com outros bancos de dados e disponibilizar a consulentes (empresas financeiras, bancos e varejo) a nota ou pontuação de crédito elaborada com base nas informações armazenadas; e também podem disponibilizar o histórico do consumidor, mas neste caso, desde que tenha prévia autorização específica do cadastrado. A legislação proíbe que as informações sejam utilizadas para outros fins que não essa avaliação.
O gestor de banco de dados deve ainda disponibilizar em seu site, de forma clara, acessível e de fácil compreensão, a sua política de coleta e utilização de dados pessoais para fins de elaboração de análise de risco, e todo o procedimento que envolve a inclusão de informações, de acordo com a legislação.
O cancelamento do cadastro do consumidor será mais rápido, e, a partir dele, os dados do consumidor não poderão ser utilizados para pontuação, como no SerasaConsumidor. A norma define que o cancelamento deve ser feito por meios eletrônico e telefônico gratuitamente e com comprovante. Assim, o gestor terá dois dias úteis a partir da solicitação da pessoa para transmitir a informação aos gestores de outros cadastros. O prazo para reabertura também será de dois dias úteis.
Segurança e privacidade
Um dos temas que mais ganharam relevância, durante o debate para aprovação da lei no Congresso nos meses anteriores à sanção, foi a segurança em relação ao não vazamento dos dados. Inclusive, ficou ao encargo dos gestores dos bancos de dados a responsabilidade por eventuais danos morais, caso isso ocorra.
Além disso, a lei sancionada não permite que os consumidores sejam classificados com base em questões sociais, étnicas, de saúde, religiosas, políticas e relativas à sexualidade. Caso o sigilo do cadastro seja quebrado, os agentes responsáveis pelos bancos de dados sofrerão sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, de acordo com a lei complementar.
Ainda assim, a lei não especificou quais são as sanções e os procedimentos cabíveis nos casos de vazamento, mas definiu que isso terá que ser regulamentado pelo Poder Executivo. Com base no artigo 10 da Lei n.º 105/2001 (relativa ao sigilo das operações de instituições financeiras), a quebra de sigilo é um crime que sujeita os responsáveis a uma pena de reclusão entre um e quatro anos, além de multa.
Avaliação por pontuação
Na prática, funciona da seguinte forma: o consumidor, até então, solicitava que alguma empresa incluísse seu nome em um banco de dados, de modo que haveria um histórico digital de suas obrigações financeiras – como pagamentos de conta de luz, água, telefone, cartões e operações de crédito que realizava. Se pagasse suas contas sem atraso, não solicitasse recursos constantemente e mantivesse todas suas informações atualizadas, a avaliação positiva desse perfil de pagador seria uma garantia a essas instituições de que o risco de empréstimo ou financiamento para essa pessoa seria menor, já que, com base nas informações do histórico, teria mais condições de se manter adimplente. Assim, a análise de juros para concessão de crédito poderia ser mais assertiva.
Esse histórico, então, gerava pontuações nos sites SerasaConsumidor e Consumidor Positivo (Boa Vista SCPC), com uma nota de 0 a 1.000. Quanto mais próximo a 0, maior a chance de o consumidor se tornar inadimplente. Isso conta muito para as instituições financeiras e para o varejo autorizarem a emissão de um novo cartão de crédito ao cliente, por exemplo.
Leia a reportagem para a qual o advogado Marco Ferlin, do Rocha, Calderon e Advogados Associados, foi um dos entrevistados no Portal GBrasil Confira a notícia original na íntegra clicando aqui.