Fabiano Zavanella
O Governo Federal publicou uma nova legislação visando normatizar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Porém, o que era para ser um instrumento para promoção da equidade trata-se de um texto falho sob diversos aspectos e cria um ambiente propício a maximização de conflitos ao invés da efetiva erradicação de toda forma de discriminação salarial ou exclusão das mulheres do mercado de trabalho.
O Decreto nº 11.795, de 23 de novembro de 2023, visa regulamentar as disposições da Lei nº 14.611/2023 e estabelece diretrizes específicas, abrangendo a obrigatoriedade de elaboração de Relatórios de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios por parte das empresas, com ênfase em detalhes salariais e ocupacionais. A aplicabilidade da nova legislação recai sobre as pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados.
O Relatório em si deve abranger uma gama diversificada de informações, indo desde a descrição do cargo conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) até detalhes pormenorizados sobre salários, gratificações, comissões e outros elementos remuneratórios. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) será responsável por determinar as informações essenciais no Relatório e também estabelecer o formato e o procedimento para sua apresentação.
Além disso, determina que esses dados devem ser anonimizados, ou seja, sem identificar as pessoas, respeitando as disposições da Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – e submetidos por meio de uma ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério.
Aqui começam os problemas. A utilização de informações sobre o cargo considerando a CBO é bastante inadequada devido a sua constante desatualização e imprecisão.
O Decreto também exige a publicação dos Relatórios, classificados como ponto crucial para a transparência, nos sites e redes sociais das próprias empresas, visando uma ampla disseminação para empregados, colaboradores e público em geral. Esse processo de divulgação está sujeito a prazos específicos, ocorrendo nos meses de março e setembro, conforme regulamentação do MTE.
Aos olhos da LGPD esse tipo de tratamento é completamente inadequado. Ainda que o Decreto estabeleça claramente que os dados devem ser anomizados, na chamada coletividade determinada (grupo específico de pessoas, como por exemplo, empregados da empresa A) é impossível qualquer processo de anonimização pois às inferências são concretizáveis com mínimo esforço. Isso significa que o Relatório causará exposição e, portanto, efeitos discriminatórios que é justamente uma das principais preocupações da proteção de dados.
Ademais tais informações expostas da forma indicada no Decreto gerarão questões relacionadas com concorrência de mercado, retenção de pessoas e até mesmo fixação de preços ao consumidor final dos bens e serviços conflitando, assim, com às premissas da Lei da Liberdade Econômica.
O Decreto também exige a implementação de um Plano de Ação para Mitigação das desigualdades. Esse plano deve envolver medidas, metas e prazos, bem como programas relacionados à capacitação de gestores, promoção da diversidade no ambiente de trabalho e formação de mulheres para igualdade de condições no mercado de trabalho.
Para esse acompanhamento, a solução proposta é a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, por meio de comissões de representação dos trabalhadores, seguindo preferencialmente a norma coletiva de trabalho. Na prática isso significa invadir a esfera do poder de controle empresarial e da própria gestão da companhia impondo uma interferência indevida das entidades profissionais.
O Decreto define ainda o papel nesse tema do MTE, que será responsável por disponibilizar ferramentas informatizadas, notificando empresas em caso de desigualdade salarial para a elaboração de um Plano de Ação, fiscalizando o envio dos Relatórios, analisando as informações contidas e providenciando um canal específico para denúncias relacionadas à discriminação salarial.
Já o Ministério das Mulheres irá atuar em conjunto com o MTE para não apenas dispor sobre medidas complementares, mas também para monitorar dados e avaliar o impacto da política pública, assegurando a efetividade das medidas implementadas.
Em suma, o Decreto cria um conjunto de obrigações desordenadas, inadequadas e, sobretudo, onera ainda mais as empresas sob o aspecto da burocracia imposta (como fez, aliás, na questão das condenações trabalhistas no eSocial). Portanto, é urgente e necessária uma revisão, sobretudo pelos aspectos relacionados com a proteção de dados dos próprios empregados gerando, inclusive, preocupações em relação a própria segurança das pessoas frente a facilidade de inferência e o dado remuneratório exigido no relatório.
Fabiano Zavanella é sócio do Rocha Calderon e Advogados Associados, professor de Direito Empresarial do Trabalho do curso de LLM do IBMEC, professor no curso de pós-graduação em Direito do Trabalho do Mackenzie e Diretor Executivo do IPOJUR