
A penhora de créditos nas bets
Daniel Alexandre Sarti
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2379711-10.2024.8.26.0000, negou provimento ao recurso de uma parte que buscava a expedição de ofícios para localizar eventuais créditos em sites de apostas esportivas, as chamadas “bets”.
Essa decisão representa mais um capítulo na controvérsia entre, de um lado, a necessidade de proteção jurisdicional para garantir a satisfação de créditos inadimplidos e, de outro, uma parcela do Poder Judiciário que impõe barreiras que podem ser consideradas excessivas ou desnecessárias.
Nos últimos anos, os sites de apostas esportivas tornaram-se uma verdadeira febre no Brasil, especialmente no futebol, com diversas empresas patrocinando os principais clubes do país e investindo pesado em publicidade. Como resultado, milhões de brasileiros utilizam esses serviços na esperança de obter ganhos rápidos, nem sempre com consequências favoráveis para suas finanças pessoais.
Diante desse cenário, qualquer valor que um apostador possua ou venha a possuir em uma dessas plataformas pode ser passível de penhora para satisfação de um crédito, especialmente em ações de execução de título extrajudicial. No entanto, o fundamento adotado na decisão mencionada foi a suposta ausência de prova de que o devedor mantinha registros nesses sites, o que, segundo o tribunal, impediria a expedição dos ofícios para localização de eventuais créditos.
Esse entendimento evidencia uma falha persistente em parte do Judiciário quanto à adoção de mecanismos eficazes, dentro da legalidade, para garantir a tutela de créditos inadimplidos. Muitos magistrados ainda operam sob a premissa de que medidas como a penhora só podem ser aplicadas quando há certeza absoluta da existência de valores disponíveis na conta do devedor.
Se essa linha de raciocínio fosse seguida rigidamente, sequer o sistema Sisbajud poderia ser utilizado, pois nem sempre suas pesquisas localizam dinheiro ou direitos creditórios suscetíveis de penhora. Além disso, há diversos bens e ativos que não podem ser identificados por esse sistema, tornando necessária a expedição de ofícios a empresas que possam fornecer informações relevantes para a execução.
Necessidade de consenso
Curiosamente, o próprio TJ-SP já decidiu de maneira diferente em outros casos. No julgamento do Agravo de Instrumento nº 2284809-65.2024.8.26.0000, por exemplo, a corte reconheceu a possibilidade de expedir ofícios para localização de bens. Esse precedente pode, por analogia, fundamentar pedidos similares de busca de créditos em sites de apostas esportivas.
Além disso, a legislação processual brasileira reforça essa possibilidade. O artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil permite ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para garantir o cumprimento de uma ordem judicial, inclusive quando se trata de obrigações pecuniárias. Já o artigo 772, inciso III, faculta ao magistrado exigir que terceiros informem sobre bens ou direitos que possam ser objeto de penhora. Ou seja, não há qualquer impedimento legal para a expedição desses ofícios.
Diante desse impasse, torna-se evidente a necessidade de um consenso no Judiciário sobre a viabilidade da pesquisa e penhora de créditos oriundos de sites de apostas esportivas. Para os profissionais que atuam na recuperação de crédito, recomenda-se que fundamentem detalhadamente seus pedidos, demonstrando aos magistrados a relevância e a legalidade da medida, a fim de aumentar as chances de deferimento e evitar interpretações restritivas que dificultem a efetivação das execuções.
Daniel Alexandre Sarti é advogado do Rocha, Calderon e Advogados Associados.